Alvos de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, alguns dos principais partidos políticos reconheceram formalmente pela primeira vez, de maneira indireta, a existência de candidaturas femininas laranjas durante as eleições.
Diferentemente do que fizeram dois anos atrás, quando não houve menção ao tema, ao menos seis legendas que entregaram ao Tribunal Superior Eleitoral a formalização dos critérios para distribuição do fundo eleitoral entre seus candidatos incluíram regras específicas para tentar conter a fraude ou eximir os dirigentes de eventuais novos desvios.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou em diversas reportagens ao longo de 2019, partidos patrocinaram no ano anterior candidaturas fictícias de mulheres com o intuito de desviar para outros fins os valores que, por lei, deveriam ser direcionados às candidaturas femininas (ao menos 30%).
Algum dos casos mais simbólicos aconteceram no PSL de Minas e Pernambuco, mas as potenciais laranjas se espalharam por diversas outras legendas, entre elas o DEM.
Para receber os R$ 2,035 bilhões do fundo eleitoral, os partidos precisam aprovar critérios formais de distribuição do dinheiro entre os candidatos, informá-los ao TSE, além de dar ampla divulgação dessas decisões.
O fundo foi criado em 2017 em decorrência da proibição, pelo Supremo Tribunal Federal, de que empresas financiassem as campanhas políticas.
Em 2018, primeira eleição em que a nova regra vigorou, os partidos não demonstraram nenhuma preocupação com eventuais candidaturas fictícias na formalização de seus critérios. A única menção às candidaturas de mulheres era no sentido de frisar que a lei exige o repasse de ao menos 30% das verbas para as campanhas delas.
Agora, o tema é tratado explicitamente por várias siglas nos documentos recém-apresentados à Justiça Eleitoral.
No documento que entregou ao TSE com seus critérios para 2020, o MDB, por exemplo, afirma que “os diretórios nacional, estaduais e municipais deverão envidar esforços, criando padrões de controle, para evitar as candidaturas fictícias, que não tenham interesse eleitoral e sirvam apenas para cumprir as exigências legais”.
O PSL chegou a contratar uma assessoria de compliance e aprovou na última quinta-feira (3) um canal interno de formalização de denúncias anônimas (compliance@psl.org.br) ou de prática de corrupção perpetrada por seus filiados.
Segundo a antiga legenda do presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido), esses temas serão tratados pela equipe de compliance (responsáveis pelo conjunto de normas e procedimentos para prevenir, detectar e punir irregularidades internas).
O presidente do partido, o deputado federal Luciano Bivar, foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de participação do esquema das laranjas do PSL.
O Republicanos também inseriu uma recomendação específica em sua resolução sobre os critérios de divisão do fundo eleitoral.
“Os representantes legais dos órgãos partidários estaduais e municipais, ora responsáveis pelo envio das informações à direção nacional do número de candidaturas de cada sexo, são responsáveis, exclusivamente, por eventuais omissões ou cometimento de atos ilícitos, concernente ao repasse de valores do FEFC [fundo eleitoral] para candidaturas de mulheres fictícias, respondendo cível e criminalmente pela prática de atos ilícitos, isentando os dirigentes nacionais de qualquer responsabilidade.”
No PROS, mulheres candidatas terão que assinar um termo de responsabilidade de que os recursos recebidos deverão ser aplicados nas próprias campanhas.
O Solidariedade escreveu em sua resolução: “Caberá exclusivamente ao órgão estadual que receber os recursos indicados no caput zelar pela sua correta aplicação no efetivo financiamento das candidaturas femininas do partido ou da coligação, tomando todas as medidas necessária para impedir a sua destinação fraudulenta.”
O DEM estabeleceu que o núcleo feminino do partido acompanhe de perto as candidaturas de mulheres, sendo responsável pela autorização do repasse de verbas a elas.Investigação da Polícia Federal apontou em 2019 fortes indícios de desvio de verba eleitoral pública do partido por meio da maior candidatura laranja das eleições de 2018.
Uma candidata do Acre recebeu R$ 240 mil do diretório nacional da sigla, declarou ter contratado 46 pessoas para atividades de mobilização de rua, entre elas dois coordenadores de campanha, além de aluguel de 16 automóveis, confecção de santinhos e contratação de anúncios -recebendo ainda R$ 39,5 mil em material eleitoral doado, mas só obteve seis votos.
Depreende-se da leitura desses critérios a particular preocupação das siglas de eximir seus dirigentes caso haja eventuais novos desvios, além do temor de complicações decorrentes das investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, que ainda analisam casos relativos às últimas eleições.
No caso ocorrido com o PSL, em 2018, o então presidente nacional interino da sigla, Gustavo Bebianno -que morreu em março deste ano em decorrência de um infarto-, chegou a ser investigado, mas sempre negou relação com as suspeitas de candidaturas laranjas em Minas e Pernambuco. Ele sempre afirmou, em várias ocasiões, que apenas autorizou formalmente os repasses e que as candidaturas foram escolhidas, exclusivamente, pelos diretórios estaduais.
A Folha de S.Paulo mostrou no domingo (6) que, mesmo após toda a repercussão das candidaturas laranjas em 2018, legendas apresentaram ao TSE atas de reuniões para estabelecimentos de critérios de distribuição do fundo eleitoral com trechos idênticos umas com as outras, o que levanta a suspeita de simulação com o intuito de burlar uma exigência legal.
Além das regras formalizadas em ata, em junho a Folha de S.Paulo mostrou que, para tentar evitar a repetição do laranjal, partidos estavam criando ou fortalecendo cursos e programas direcionados a mulheres que querem disputar de fato uma campanha eleitoral.