ARTIGOS

O certo não dói

09 de agosto de 2018, 15:16

Por Gervásio Lima  -.

 

Subestimar a inteligência alheia é uma demonstração de ingenuidade e ao mesmo tempo de ignorância patética. Os que acreditam que se consegue convencer enganando na verdade estão traindo a si próprios e o preço a pagar por tal erro tende a ser mais doloroso do que se imagina. A verdade não se empurra com a barriga, ela é o agora, o hoje; ao contrário da mentira que é revelada geralmente a partir do amanhã ou depois de amanhã.

Não conseguir realizar o prometido é normal e compreensível por determinadas circunstâncias não serem previsíveis, mas a omissão àquilo que se propõe ou que foi proposto chega a ser um ato covardemente irresponsável. As principais vítimas dos que ‘prometem como sem falta e falta com toda certeza’ são a maioria dos municípios brasileiros administrados por gestores levianos e usurpadores, que tratam o erário público como propriedade particular.

Confundir o real papel a que se compromete tornará o intento algo nocivo e com ressonância inclusive na vida dos que confiaram a oportunidade de realizar tarefas a outrem. Ao contrário de outras funções administrativas, a de gestor público se difere pelo fato de agregar diversos outros afazeres como o da figura que legisla e executa.

Uma cidade precisa muito mais do que as obrigações normais de um gestor, o de cuidar com serenidade de setores essenciais como a educação, saúde e infraestrutura. Criar condições para que o município alcance um desenvolvimento sustentável vai além de pinturas de meios-fios, troca de lâmpadas e tapa-buracos. Tornar a cidade melhor para se viver não é apenas construir as chamadas ‘obras estruturantes’. O lugar bom de viver é aquele onde um conjunto de ações ofereça dignidade aos moradores e justifique a permanência dos mesmos.

Campanhas publicitárias para apresentar o básico só beneficiam quem confecciona as peças e quem as as divulgam. Expor as manutenções é uma forma de esconder o que deixou de fazer, de fato. Construir uma quadra poliesportiva e ampliar os espaços de lazer justificaria o custo de uma publicidade bem mais que anunciar apenas que reformou o que já foi feito por alguém; assim como a ampliação da iluminação pública para locais nunca antes iluminados chamaria mais atenção do que a troca de lâmpadas queimadas.

Administrar sem a presença da população nos momentos de tomadas de decisões tem contribuído para muitos prefeitos incorrerem ao erro. No momento em que orçamento participativo se transforme em lei, para obrigar os gestores a aplicar os recursos naquilo que foi decidido por um colegiado composto por representantes da sociedade civil, os erros e as mentiras diminuirão.

Para que a transformação aconteça se faz necessário também que o legislativo assuma o seu verdadeiro papel. A inversão de valor é uma praxe entre os edis que pensam que são executivos e para os que têm certeza que são. A política não pode ser encarada como uma disputa de forças, mas sim como um ato de força, capaz de transformar vidas. O certo não dói.

Por Gervásio Lima

Jornalista e historiador.

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Aldery

08 de agosto de 2018, 13:41

Por Marcelo Rodrigues

 

Noite passada, sonhei com Aldery. No sonho, alguém me dizia que ele já se encontrava com oitenta e cinco anos, uma vez que seus cabelos estavam totalmente brancos e o seu corpo encolhera. Mas eu estranhava essa observação, pois acreditava que a sua idade não fosse além dos sessenta anos. Tudo bem. Era apenas um sonho.

Há muito tempo que estive com Aldery. Na última vez que o vi, ele já era um homem derrotado, que perdera tudo: o patrimônio, os amigos e principalmente qualquer crença na vida e nas pessoas.
Conheci-o em 1981, quando morava em Natal, na casa do meu irmão mais velho, no ensolarado bairro de Ponta Negra. Aldery fora nos apresentado pela minha cunhada. Naquela ocasião, ele possuía um bom emprego na loja de roupa do seu pai, no centro da cidade, era um rapaz forte, bonito e extremamente agradável. As suas visitas eram sempre aguardadas, pois sempre nos trazia deliciosos lanches. E nos restaurantes em que íamos, ele sempre se antecipava e pagava a conta. Até com livros luxuosos da sua biblioteca particular ele nos presenteava, se por acaso percebesse algum interesse nosso por qualquer volume. Assim, todos os finais de semana, ansiávamos pela sua vinda, que era, especialmente para mim, sinônimo de fartura e diversão.
Um dia, o pai, acreditando que fazia um bom negocio, desfez-se da rentável loja da família e partiu para o interior da Bahia, levando consigo o nosso querido amigo. Depois de um ano, porem, inseguro e com o patrimônio comprometido, Aldery retornou. Jamais se encontraria novamente. Aventurou-se em vários negócios, onde sempre perdia dinheiro. Por ultimo, vendeu seu único imóvel e, após desastrosos investimentos comerciais, terminou por ir morar de favor na casa da sua mãe.
Por essa época, eu tinha sido aprovado no concurso para a academia militar e logo fui embora para São Paulo. Algum tempo depois, o meu irmão também sairia de Natal. Poucas vezes retornaria ao Rio Grande do Norte para reencontrar o nobre Aldery. Isso já faz muitos anos.
E, na última noite, sem que há muito o lembrasse, sonhei com ele. No sonho, parecia realmente velho, mas a minha angústia não vinha tanto da sua velhice precoce, mas de vê-lo, antes jovem, bonito e generoso, pronunciar frases ininteligíveis. E no esforço que fazia para se comunicar, eu compreendia que apenas mendigava algum dinheiro para que pudesse se embriagar ainda mais.

Salvador, maio de 2018

 

antomarcelo@gmail.com

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Era uma vez o forrobodó

04 de julho de 2018, 14:33

  • Por Gervásio Lima –

O período das festas juninas encerrou oficialmente no dia 30 de junho, após as comemorações do dia do último santo do mês, o São Pedro, o primeiro papa da Igreja Católica, (não confunda com São Pedro de Alcântara, santo padroeiro do Brasil, cuja comemoração acontece no dia 19 de outubro). Mas por ter uma população ‘festeira de nascimento’, muitas cidades do nordeste, mas especificamente na Bahia, as festas se prorrogam por praticamente todo o mês de julho.

Os ‘arraiás’ ainda arrastam pé e arrastam muita gente. O forró de raiz, mesmo que a cada ano esteja sendo ameaçado de extinção, sobrevive nostalgicamente. O ‘dois pra lá, dois pra cá’ da dança vem sendo trocado por coreografias que mais parecem passos de balizas de fanfarras (uma mistura de ginástica artística, rítmica, teatro e arte circense). Já o gênero musical oriundo basicamente do conjunto de instrumentos como o triângulo, a sanfona e a zabumba está cada vez mais desconfigurado, sendo substituído por estilos denominados de ‘urbanos e modernos’. A guitarra, o teclado e a bateria são os responsáveis em produzir os sons do novo ‘forró universitário’ e de uma espécie de pop chamado de ‘forró eletrônico’. Triste realidade.

Existe espaço para todos os estilos e gostos musicais, mas apelar e insistir em usar e descaracterizar o forró pé de serra é uma forma ingrata de contribuir com o desaparecimento de uma das principais tradições nordestina. As novas gerações precisam conhecer a verdadeira história vivida por seus pais, avós e bisavós, de maneira, a saber, preservá-la. Copiar uma identidade não seria tão salutar quanto construir e conquistar seus próprios valores.

Qualquer nordestino, desde os mais novos (graças às comemorações realizadas nas escolas), sabe reconhecer uma típica festa junina. As vestimentas, a culinária e as ornamentações são únicas; totalmente diferente dos shows espetaculares com extravagâncias de som e luz e músicos e bailarinas com roupas coloridas e cheias de brilho.

Em 2017, um evento particular denominado ‘Forro Sertão’, realizado durante os festejos do São João da cidade de Irecê, no norte da Bahia, as principais atrações foram as cantoras Anitta e Ivete Sangalo, os cantores Gustavo Lima e Léo Santana e a dupla Henrique e Juliano. Uma clara demonstração da descaracterização musical do termo ‘forró’. Neste ano (2018), Senhor do Bonfim, cidade localizada também no norte da Bahia, conhecida como a ‘Capital Baiana do Forró’, antes referência na preservação do tradicional festejo junino se rendeu ao modismo e teve entre as atrações contratadas pelo executivo municipal os cantores Tayrone, Gabriel Diniz, Wallas Arrais e a sul-mato-grossense Paula Mattos. Como já dizia o maior forrozeiro do Brasil, Luiz Gonzaga, ‘aqui tudo mudou, tudo tá mudado’.

O pior das mudanças nas festas juninas será a ausência da canjica, do bolo de aipim, do amendoim, do milho cozido, do licor de jenipapo e do quentão. Ô dó!

Por Gervásio Lima

Jornalista e historiador

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Waldir Pires: uma grandeza que deixa saudade

23 de junho de 2018, 11:37

Por Giorlando Lima – 

Sobre Waldir Pires, um homem da maior grandeza que eu conheci pessoalmente quando eu ainda morava em Jacobina, minha cidade natal, no longínquo ano de 1982, eu poderia republicar meu texto postado no Blog Notas da Bahia, em 31 de maio de 2010 – quando ele havia sido preterido pelo PT que hoje lhe presta homenagem, em favor de Walter Pinheiro, na campanha ao Senado. Mas, hoje Waldir nos deixou e eu, como milhares de outros baianos e brasileiros, desejo registrar meu lamento e reafirmar a minha admiração. Este ano morreram dois importantes políticos de Vitória da Conquista, Sebastião Castro e Coriolano Sales, e muitos amigos me disseram que eu tinha a obrigação de escrever sobre os dois. Não o fiz. Talvez ainda escreva. Mas, para não aumentar a minha dívida com meus poucos leitores, ponho neste pequeno texto algumas coisas a mais que eu não disse no artigo de 2010.

Em 1982, a ditadura militar autorizou as primeiras eleições diretas para governador nos estados. Ciente de que os quatro partidos de oposição (PMDB, PDT, PTB, PT) poderiam ganhar na maioria dos estados (o PMDB venceu em nove e o PDT em um), foi instituído um casuísmo para assegurar ao PDS a maioria dos votos, o denominado voto vinculado, logo apelidado pela população de “voto camarão”, porque o eleitor era obrigado a votar em todos os candidatos do mesmo partido, a partir do governador, que ficava no topo da lista, na cabeça, até o vereador. Waldir concorria ao Senado, junto com Luís Viana Filho (PDS) e Sérgio Guimarães (PT) e Viana venceu, com 60,9% dos votos. Waldir teve 38,16% (991.988 votos) e Sérgio 0,94%.

O candidato a governador da Bahia pelo PMDB foi Roberto Santos. Fui ao comício do partido em Jacobina. O que eu sabia de Waldir Pires era de uma parca leitura. Lembro que ele fez um discurso memorável, como lhe era característico. Vi-o, de longe, levantar a mão direita no ar, com os dedos abertos e falar sobre a importância da união em defesa da democracia, na luta por um país livre e igual. Eu disse a mim mesmo, ali, que se um dia eu me tornasse orador, queria falar como Waldir, mas sabia que não  conseguiria hipnotizar a plateia como ele fez comigo e com as milhares de pessoas que se juntavam em frente ao palanque montado na Praça Castro Alves, em um espaço recuado à esquerda e na frente da Igreja Matriz de Santo Antônio.

Viria reencontrar com Waldir Pires em Jequié, em ato da campanha de Tancredo Neves, que aconteceu pelo país, como se fosse uma eleição direta. Ele representava a si, a Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, que não foram, e a uma multidão na Praça Ruy Barbosa. Fui à Cidade Sol como repórter do jornal A Tarde, a partir da sucursal de Vitória da Conquista, e gravei o discurso de Waldir. Uma maravilhosa pérola que tenho até hoje em uma fita da minha coleção de K7. Era novembro de 1984.

Eu sou este rosto, o segundo da esquerda para a direita, na fila de jornalistas, em 1985. À nossa frente, Pedral, Waldir e Hélio Ribeiro (coçando os olhos)

No ano seguinte, já preparando a sua candidatura a governador, Waldir Pires esteve em Vitória da Conquista como ministro da Previdência. Estava em uma nova frente de batalha: reduzir o déficit da previdência, para o que fez todos os esforços, deixando claro que a fonte do problema não eram os trabalhadores, mas a sonegação. Isso foi há 33 anos. Se tivessem dado as condições que ele requereu para resolver o problema, não estaria o país hoje ainda sob essa nuvem assombrosa, que ameaça aposentadorias, esgarça popularidade de governos e não é uma coisa clara para ninguém. Quando veio a Conquista como ministro do governo Sarney (foi escolhido para o cargo por Tancredo Neves, logo depois da eleição pelo colégio eleitoral), Waldir recebeu a imprensa no gabinete do prefeito. Eu estava lá, mas a foto (acima) só mostra parte do meu rosto, a demonstrar meu olhar atento.

Waldir Pires e Pedral, em outubro de 1986. Expressões que demonstram o nível de amizade dos dois. (Foto: Acervo do BLOG)

Dois anos depois Waldir Pires era candidato a governador da Bahia, contra Josaphat Marinho. Teve sua campanha lançada em Conquista e tinha em José Pedral, prefeito do município, seu principal articulador, vindo a se tornar o coordenador-geral. Quando Waldir falou na Praça Barão do Rio Branco, até o bêbado (havia sempre um – pelo menos – nos comícios) se calou para ouvir. Naquela eleição, acompanhado Pedral, tive outras chances de ouvir o candidato que viria a vencer com uma das vitórias mais marcantes da política baiana. Em cada cidade, a mesma magia. E a campanha se agigantava com uma espontaneidade incrível. As pessoas diziam, depois das festas promovidas pelos adversários liderados pelo então ministro Antônio Carlos Magalhães, “já comi, já bebi, agora vou votar em Waldir”. E ele obteve 2.675.108 votos, quase um milhão e meio à frente de Josaphat Marinho.

Voltei a ver Waldir Pires já em seu gabinete de governador, no Centro Administrativo da Bahia. Lembro bem do momento, embora não recorde o que eu fazia lá. Esperavam na sua antessala um trio de deputados estaduais, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa, Coriolano Sales. A certa altura, a porta do gabinete se abre e de lá vem sorridente Waldir. Cumprimenta cada um dos parlamentares, indica-lhes a porta de entrada e os acompanha, mas não sem antes, de forma cortês, didática, mas firme, dar uma lição aos ajudantes de gabinete. Diz-lhes, mais ou menos isso: “Meus filhos, em nosso estado republicano três poderes se harmonizam e se igualam na responsabilidade de manter a democracia. Estes senhores são deputados, foram eleitos como eu fui, representam o povo, representam a nós todos, são dirigentes da Assembleia Legislativa, sendo um deles seu presidente, assim, digo que eles não podem, em qualquer circunstância, ser deixados a esperar aqui fora”.

Daí em diante, só o vi mais uma vez no aeroporto de Salvador e todas as outras na TV, quando mostravam, ou sabia dele em matéria de jornais. A internet era incipiente. No ano de 2002, sentei-me ao lado dele, na casa do atual presidente estadual do PT, Everaldo Anunciação, em Itabuna, enquanto esperávamos a hora de seguir para um encontro com Lula, então presidenciável, em uma casa que o então prefeito Geraldo Simões tinha na praia de Luzimares, a 25 quilômetros do centro de Ilhéus. Aproveitei a meia hora de espera para perguntar sobre política e, em especial, para saber o que ele ainda pensava de José Pedral, com quem estava rompido havia cerca de dez anos.

O afastamento se deu ainda quando Waldir era governador, antes de sua saída para compor a chapa de Ulysses Guimarães à presidência. Pedral tinha sido um dos maiores responsáveis pelo sucesso da campanha de Waldir e contava que teria dele o apoio para ser candidato. Chegou a pontuar com 7% nas pesquisas. Mas, Waldir preferia Sérgio Gaudenzi, que foi seu secretário-geral na Previdência e era secretário da Fazenda na administração estadual. Mas, deu Nilo Coelho, que assumiu governo com a saída do titular, em maio de 1989. De Coriolano, decepcionado, Waldir teria dito: “Este rapaz é uma fraude”. Perguntado por mim sobre os dois, Waldir, devagar e respeitosamente, mas sem querer dar conversa, disse que os dois o decepcionaram. Não disse mais nada sobre Cori, mas sobre Pedral disse que jamais esperava que um de seus mais antigos aliados (desde 1958) tivesse mudado para o lado que sempre combateu, se aliando a ACM, em 1992, para vencer a quarta eleição que disputou.

A conversa não durou o tempo que eu queria. Logo seguíamos rumo a Luzimares, para conversar e jantar com Lula, no carro do publicitário Sérgio Guerra: Waldir no banco da frente; Jaques Wagner, eu e Eduardo Deda, que era prefeito de Aracaju e depois foi governador de Sergipe no banco de trás. Tocava Cássia Eller, e sua voz maravilhosa foi o assunto de boa parte da viagem, alternando-se com as chances de Lula se eleger.

Desde então, não mais encontrei com Waldir Pires em pessoa, só o acompanhava pela imprensa. Quis que ele fosse candidato ao Senado, em 2010. Imaginei que o PT poderia levar em conta aspectos históricos, morais e afetivos para lançá-lo e lhe dar a oportunidade de obter o mandato que não conseguiu em 1982 e que lhe foi roubado na eleição de 1994, quando Waldeck Ornelas virou senador, mas o partido preferiu Walter Pinheiro. Hoje, quando Waldir não mais está aqui para qualquer disputa, tendo exercido o seu último mandato na Câmara de Vereadores de Salvador, eu imagino que ele não precisava ser senador para confirmar sua grandeza, mas tenho certeza de que a Bahia e o Brasil teriam sido um pouco maiores de ele tivesse chegado lá.

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O conceito não pode ser antecipado

13 de junho de 2018, 14:04

Por Gervásio Lima  –  

 

Que o preconceito é algo intrínseco entre as sociedades todo mundo sabe; e os que fingem desconhecer pregam cotidianamente sentimentos repugnantes iguais ou piores. A maldade não é prerrogativa apenas dos que são considerados do mal, aqueles que cometem algo fora da ‘ética padrão’ de determinado grupo social. Muitos lobos travestidos de cordeiros se apresentam como o bem para cometer as mais inimagináveis atrocidades contra o próximo. Ledo engano os que se juntam às opiniões formadas em detrimento à sua própria capacidade de discernir o certo do errado.

Talvez por acreditar que o mais fácil custa menos e apresenta resultados mais rápidos, muitas pessoas estão perdendo a oportunidade de contemplar a vida em harmonia com tudo e todos que estão em sua volta. Falsas ‘otimizações’ têm sido as principais responsáveis pela decadência das relações afetivas e coletivas. Encurtar caminhos recorrendo a atalhos pode tornar o tempo entre a saída e a chegada mais curto, mas não proporcionará a mesma sensação de descompromisso com a pressa e, consequentemente, não gozará da oportunidade em desvendar e conhecer o desconhecido do caminho. O bom da viagem, às vezes, é a demora.

Pior que a procura por facilidades é achar que viver para os outros é sinônimo de felicidade. A busca insana pela perfeição de uma beleza estereotipada por um canal de televisão ou por uma empresa de cosméticos por exemplo, tem produzido seres literalmente artificiais, infelizes e egoístas. Querer ser o que não pode, ou acreditar que pode, causará inevitavelmente prejuízos irreparáveis na vida dos incautos e quiçá aos que fazem parte do seu convívio. Aquele que não se aceita dificilmente aceitará as diferenças dos seus semelhantes.

Uma sociedade que prega uma moral inexistente onde as pessoas vivem de aparência, fingindo ter virtudes que não possuem, é pateticamente hipócrita. Apontar o dedo indicador em riste e esquecer que o polegar está da mesma forma direcionado para si demonstra uma reciprocidade nem sempre percebida pelo autor do ato. Tal comportamento representa não apenas agressividade e prepotência, mas também um símbolo da falta de humildade. Como diz o provérbio popular: ‘quem com ferro fere, com ferro será ferido’, por tanto, qualquer que seja a ação realizada esta poderá voltar positivamente ou negativamente. Falar de Nordestino é crime, mas fazer piada de gaúcho pode?

A má interpretação de mundo e, ou, a falta de autenticidade tem contribuído para a formação de indivíduos perniciosos e de índole duvidosa. Agi pela emoção e não com a razão apenas para satisfazer o sistema imposto levará quem sempre foi vítima a ser um potencial opressor.

Os escravos fugiam muito, então foram contratados negros escravos como ‘capitães do mato’ para reprimir e evitar fugas dos que viviam nas mesmas condições de mercadorias. A escravidão era um costume socialmente aceito na época, por isso os escravos não viam contradição em possuírem escravos. Possuir escravos provavelmente lhes conferiam mais benefícios e um status mais alto que a liberdade.

O pobre só pode comprar gasolina para abastecer o veículo do patrão e não almoçar no shopping ao lado do filho de barão.

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Para não dizer que não falei de ditadura

06 de junho de 2018, 23:39

Por Giorlando Lima – 

Quando o golpe civil-militar de 1964 aconteceu eu contava com tenros dois anos de idade na distante Jacobina onde nasci. Só soube bem depois que à medida em que eu crescia recrudescia a violência do que se revelou ser uma ditadura cruel. No dia 28 de março de 1968, quando se deu a morte do estudante secundarista Edson Luís, no restaurante estudantil Calabouço, no Rio de Janeiro, às vésperas dos quatro anos da implantação do governo militar, eu nem tinha começado a estudar ainda, o que começaria a fazer no ano seguinte, na Escola da Professora Pinininha.

Brasil, São Paulo, SP. Repressão militar contra estudantes. – Crédito:ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/Codigo imagem:6025

O Exército dizia para onde as pessoas podiam ir

No ano anterior, estávamos em Salvador, onde meu pai, pedreiro, realizava reformas na casa para onde se mudaria o gerente da agência do Banco de Brasil de Jacobina, que estava sendo transferido para a capital. Em Salvador, eu me lembro de ver grupos de soldados do Exército e da Aeronáutica passando na rua a pé ou em jipes. A casa ficava na Rua Afonso Celso, na Barra, e, se não me engano, já havia ali perto o Clube Naval. Mas, ver homens fardados para cima e para baixo não significava nada para mim e meus cinco irmãos, com idades entre um e sete anos.

Passávamos o dia “aprendendo” o ofício de pedreiro, nos sujando de areia e cimento, sonhando com picolé Capelinha ou Kibon, que vendedores passavam na rua anunciando, e, às vezes, a gente podia ir ver o mar de perto. À noite, tentando adivinhar o que passava na TV da casa do vizinho. A janela do vizinho ficava aberta porque era pleno verão e nós aproveitávamos para “brincar de ver televisão”, sem poder ver ou ouvir direito: “Acho que é Roberto Carlos cantando”, dizia algum adulto que também não perdia a sessão. Mais do que isso não lembro nem sabia, quanto mais de ditadura ou conflitos entre os militares e quem discordava do regime que eles impuseram.

NÃO PODE FALAR

Em Jacobina, já maiorzinho, com uns nove anos, voltando da escola para casa parei na porta de um bar que existia na esquina da Rua Manoel Novaes com a Afonso Costa, onde hoje é a loja Mundo Encantado. Ali, alguns adultos falavam bem baixinho sobre não poder falar. Eu, ainda inocente, quis saber do que não se podia falar. “De nada; só que as coisas estão bem”. Eu insisti para saber o porquê de não poder falar. “Porque não pode. E não pergunte muito, você é criança, mas seus pais sabem que não pode”. Minha curiosidade acabou ali, pelo que não me lembro.

Tempos depois, vi a cena que começaria a responder às minhas perguntas. Era um domingo, dia em que a minha família acompanhava a minha mãe ao Rio do Ouro, para a lavagem das roupas da casa. Perto de onde ficavam muitas mulheres esfregando, torcendo, batendo, botando para quarar, enxaguando e colocando para secar peças coloridas e bem simples de roupas, lençóis e outros panos, morava a família de Marrudo, um libanês de quem até hoje não sei o nome. Ele era dono de um bar em frente ao Cine Payayá, na Rua Senador Pedro Lago. Lembro que um dos filhos dele se chamava Samir.

De repente, todo mundo estava olhando para a ponte de madeira que dava acesso à casa de Marrudo, que ficava dentro de um pomar, entre muitos pés de manga, especialmente. Lá estavam vários soldados, armados de metralhadoras e fuzis, apontando para o carro do dono da casa, que ameaçava avançar sobre os homens de verde. Mulher e filhos pediam desesperados que Marrudo obedecesse às ordens do oficial que comandava a tropa e descesse do carro. Perto de nós, no rio, dava para ver que gente chorava, alguns tremiam, meus pais nos chamavam para perto e pediam para que nada disséssemos. Daquele dia em diante comecei a entender porque os homens no bar me disseram para ficar calado. Até hoje não sei por qual razão o Exército foi à casa de Marrudo e o que aconteceu depois. Não lembro se ele foi preso, mas sei que sobreviveu.

Anos mais tarde, estive no bar de Marrudo com Cícero Mattos e pedimos uma dose de raiz (cachaça com raiz). O dinheiro só dava para uma, mas Marrudo deu as costas, entrou para a cozinha e nós viramos umas duas doses sem ele saber. No início dos anos 1980, Samir, um dos filhos de Marrudo assumiu o bar depois da morte do pai.

CLUBE DOS ONZE

Aos poucos, ainda ali entre os 10 e os 12 anos, fui absorvendo mais informações. Percebi que meu pai não estava do lado dos ditadores. Um dia eu o ouvi falar o nome de Brizola. Outra vez teria falado do Clube dos Onze. Uma das pessoas que mais ajudaram meu pai na profissão, um mestre de obras de nome David, tinha uma tendência esquerdista. Uni as informações que tinha e aprendi que meu pai também tinha, no que era possível a um pedreiro originário de um quilombo, ainda aprendendo a ler pelo Mobral no curso Madureza Ginasial. Fiquei sabendo que o Clube dos Onze se reunia na Sociedade União dos Artistas Jacobinenses (que foi a minha segunda escola, em 1970; palco de peças de teatro que fiz com Paulo Vieira, no final dos anos 1970; que depois viraria o bar de Nego das Neves e hoje é a CDL, em frente à Igreja da Conceição).

Os meus círculos de convivência eram limitados. Família e escola. Estudei em três escolas em Jacobina, duas já mencionadas e as Escolas Reunidas Luís Anselmo da Fonseca, onde fiz o quarto e o quinto anos, antes de entrar para o colégio (para uma incrível quinta série, de novo). Lá não se ouvia sobre ditadura, militares, guerrilha ou da reação de artistas, intelectuais e estudantes. Sei que cantar o hino nacional no intervalo e desfilar no Sete de Setembro, por exemplo, eram ações derivadas do regime, mas eu até gostava. O Hino da Independência ainda é o meu preferido.

Fui saber mais já em 1979. Meu amigo Cícero Mattos me contou. Ele estudava na Escola de Belas Artes da UFBA e fazia parte do Baldeação, um grupo de artistas grafiteiros que decidiu pintar alguns murais de protesto contra o preço e a qualidade do transporte coletivo de Salvador. Numa daquelas noites em que desenhavam um ônibus cheio num muro perto do Shopping Orixás Center, nas imediações da Rua Clóvis Spínola e Direita da Piedade, eles pararam porque não daria tempo de terminar. Deixaram o desenho incompleto e quando voltaram no dia seguinte para concluir foram presos. Outro grupo passou no local e pichou por cima do esqueleto do ônibus de Cícero e amigos a frase “terrorista é o governo”.

RECONSTRUÇÃO DA UNE

Foi com C. Mattos e o diretor teatral Paulo Vieira que retornei a Salvador, em 1979. Fomos para o 31º Congresso da União Nacional dos Estudantes, o “Congresso da Reconstrução”, que recebeu o nome de Honestino Guimarães, que tinha sido o último presidente eleito da UNE, em 1971. Honestino foi preso pelo Centro de Informações da Marinha (CENIMAR) quando era estudante e seu corpo nunca mais foi localizado. O governo apresentou sua certidão de óbito em 1996, mas sem causa mortis.

Na estrada, o ônibus em que viajávamos foi parado e policiais federais entraram e começaram a revistar as pessoas e suas bagagens. Na minha vez, o agente, com uma metralhadora atravessada no peito me pergunta o que vou fazer em Salvador e eu respondi que ia rever parentes. Afirmei que estava com amigos, sentados mais à frente. Ele mandou eu descer a mala do bagageiro. Era uma malinha preta de plástico mole e, antes de abrir, o policial quis saber o que eu levava. Ao ouvir que eram apenas roupa, escova, pasta de dentes, pente e uma Bíblia ele indagou se eu era crente – e eu era – e na sequência mandou eu fechar a mala e me dispensou da revista.

Eram os dias 29 e 30 de maio de 1979 e só em dezembro daquele ano eu ficaria de maior. Eu já sabia muito da ditadura, já trabalhava em um jornal de Jacobina (A Palavra) e lia muito. Temia que algo acontecesse durante os dois dias do congresso, ao mesmo tempo esperava um evento, um fato que pudesse virar história, como a de Cícero. O medo e a excitação se misturavam.

Como escreveu a jornalista Thais Sauaya Pereira (1959-2009) no site da Fundação Casper Líbero, em 2008: “Na ansiedade esfuziante, não diferíamos muito dos ônibus de excursão do ginásio, nem daqueles das torcidas de futebol. No entanto, tínhamos consciência de que aquele era um momento histórico: discutíamos com paixão o socialismo, a guerrilha, a ditadura, os rachas nas organizações clandestinas, os professores, as relações afetivas, o aborto, a falta de grana, o amor livre, morar sem os pais, as drogas, o cinema, Marx, Lênin, Engels, Trotsky, Stálin, Brecht, Chaplin, Glauber, Vittorio de Sica… enfim, o mundo”.

Eu era um nesta multidão (Congresso de Reconstrução da UNE 1979. Foto: Gildo Lima CPDOC/JB)

O congresso aconteceu no novíssimo Centro de Convenções, “gentilmente cedido” pelo governador biônico de Salvador, Antônio Carlos Magalhães. Os shows musicais e outras manifestações culturais ocorriam no Teatro Vila Velha. De vez em quando, uma correria, alguém gritava que a polícia chegara, íamos todos para o Passeio Público, ficávamos no meio da Avenida Sete de Setembro, todos prontos para o pior. Não havia selfies, mas os flashes espocavam e a história se fazia na minha frente, aos meus olhos de adolescente em transição da alienação para uma melhor compreensão do mundo em que eu vivia sem saber como era.

Felizmente, embora soldados, metralhadoras e viaturas nos olhassem com desdém e uma aparente vontade de descer a porrada, nada ocorreu de mais sério. Ou, felizmente, ocorreu: ouvir Diana Pequeno, Carlinhos Lira e Gonzaguinha cantar e falar dos seus sentimentos em relação àquele momento; ouvir Javier Alfaya, Ruy Cezar e um monte de gente inteligente, corajosa e engajada falar de nossas esperanças, de nossos riscos e da necessidade de não parar de lutar para salvar o Brasil da censura, da falta de liberdade e da violência. Daí em diante a consciência do que acontecia foi me ocorrendo. Acessei relatos sobre os desaparecidos; li os documentos que falavam da crueldade do regime; soube da juventude perseguida e morta.

Manuel Fiel Filho, operário morto pela ditadura em 1976

O silêncio diminuía nas casas e as lutas não cessavam nas ruas. Foi quando o general Ernesto Geisel foi entronado na presidência da República. Eu tinha sido batizado na Igreja Batista em 1973. E em 1979 eu começava a frequentar a Igreja Presbiteriana. Não nego que não foi complicado para mim acreditar que o general protestante não concordava com as atrocidades que se registravam. Ele demitiu o general Ednardo D’Ávila depois da morte do metalúrgico Manoel Fiel Filho, ele enfrentou Sílvio Frota, ele iniciou a abertura política, acenou pela volta dos políticos exilados. Passei a duvidar quando já era um adulto e agora não tenho nenhuma dúvida que Geisel não se diferenciou dos demais generais que supliciaram o Brasil por 21 anos.

ENFIM, AO ASSUNTO

Isso tudo que escrevi acima me veio sem eu perceber. Eu queria escrever sobre as pessoas de Vitória da Conquista que sofreram diretamente a opressão do regime militar, quem foi preso, quem morreu, quem ainda luta para que aquele período não volte. Recebi de um amigo no início desta semana a fotografia de um documento dos órgãos de repressão do regime militar sobre Élquisson Soares. Ele foi vereador, deputado estadual e federal e nesta condição foi um dos mais aguerridos e combativos parlamentares contra a ditadura. O registro histórico, que deverá estar em livro que o escritor Durval Menezes escreve sobre Élquisson, me instigou a realizar uma pesquisa para saber quem mais, além dele, foi vítima pessoal e direta da ditadura.

No artigo “O cerco dos fuzis na terra do frio”, publicado no Blog do Anderson, em 11 de agosto de 2014, o jornalista Jeremias Macário, lista, em ordem alfabética, os nomes das pessoas que foram detidas e presas em 1964, quando o Exército baixou em Vitória da Conquista para depor, com apoio da Câmara de Vereadores, o prefeito José Pedral Sampaio e “livrar a cidade dos comunistas”.

Foram presos, alguns com diferença de dias:  Alcides Araújo Barbosa (presidente do Sindicato dos Comerciários); Alender Santos; Altino Pereira (presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil); Anfilófio Pedral Sampaio (funcionário público e suplente de vereador, irmão de José Pedral); Aníbal Lopes Viana (jornalista e suplente de vereador); Atenor Rodrigues Lima, o “Badu” (comerciário); Camilo de Jesus Lima (escritor, jornalista e oficial do Registro de Imóveis que foi preso em Macarani e transportado para Conquista); Cláudio Fonseca (estudante, menor de quatorze anos e meio de idade); Edvaldo Silva (presidente da Associação dos Panificadores); Everardo Públio de Castro (professor e vereador); Érico Gonçalves Aguiar (agricultor); Flávio Viana de Jesus (marceneiro e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, que não suportou as pressões e se entregou); Franklin Ferraz Neto (juiz trabalhista); Galdino Lourenço (motorista); Gilson Moura e Silva (radialista e membro do sindicato da categoria); Hemetério Alves Pereira (dono de livraria); Hugo de Castro Lima (médico); Ivo Vilaça Freire de Aguiar (funcionário público); Jackson Fonseca (rádiotécnico); João Idelfonso Filho (publicitário); José Fernandes Pedral Sampaio (engenheiro civil e prefeito); José Luiz Santa Isabel (bancário); Juracy Lourenço Neto (comerciário); Luis Carlos (bancário); Lúcio Flávio Viana Lima (bancário); Nudd David de Castro (filho do vereador Everardo Públio); Paulo Demócrito Caíres (estudante e presidente do Grêmio); Péricles Gusmão Regis (representante comercial e vereador), Raimundo Pinto (comerciante); Raul Carlos Andrade Ferraz (advogado e suplente de vereador); Reginaldo Carvalho Santos (bancário e diretor do jornal “O Combate”); Vicente Quadros Silva Filho (rádiotécnico).

Péricles Gusmão, morto na prisão em 1964

Destes 31 nomes, Péricles Gusmão morreu na cela, segundo a versão oficial suicidou-se por enforcamento, e o professor Everardo Públio foi o único condenado, tendo ficado preso por 15 meses.

Outras pessoas de Vitória da Conquista foram presas depois, em suas atividades fora do município, uma jovem conquistense foi assassinada. A estudante universitária Dinaelza Coqueiro, que decidiu enfrentar o regime como guerrilheira, foi morta no Araguaia e seu corpo enterrado na Serra das Andorinhas (PA). Ruy Medeiros, advogado e professor universitário muito respeitado em Vitória da Conquista, também foi preso. Duas vezes. Na primeira, em Salvador, ficou detido no DOPS por mais de oito horas. Na segunda, já formado em Direito, em 1973, exercendo cargo na administração de Jadiel Matos. Era maio e Ruy, depois de espancado, ficou dois dias preso em Conquista e depois transferido para Salvador, onde permaneceu na cadeia até agosto daquele ano.

O SUBVERSIVO VIGIADO

Élquisson Soares em 1972

Já Élquisson Soares foi preso em 1969, no Rio de Janeiro, onde estudava Direito na Faculdade Cândido Mendes, da qual foi presidente do diretório acadêmico.  O documento, cuja reprodução o BLOG publica, refere-se às atividades de Élquisson como estudante e advogado desde o início dos anos 1960, quando ele foi presidente da União Bahiana de Estudantes na Guanabara (extinta em 1964) e do Centro Cultural Joaquim Nabuco. Para o regime, Élquisson Soares era subversivo e revanchista (referindo-se à reação ao golpe militar). O documento em que o ex-deputado é classificado como perigoso para o regime foi enviado ao prefeito da época, Nilton Gonçalves, em 1972. Abaixo a transcrição do mesmo.

Reprodução da cópia autêntica do documento da ditadura sobre Élquisson

CONFIDENCIAL BRA-DF/C-RS. Nº 2.948/72

Referência: RESERVADO – SECRETO: Nº 1.573/72

Instrução Nº 197/72

O bacharel Élquisson Dias Soares, vulgo ‘Juquinha’, advogado (Vitória da Conquista – Bahia), é fichado nos Órgãos de Segurança Nacional – Departamento de Polícia Federal, S.N.I. (Serviço Nacional de Informações), etc., como elemento subversivo, comunista, revanchista, descontente, contestador do atual regime, motivos pelos quais já esteve preso no Rio de Janeiro, Guanabara e vive sob vigilância.

COLABORAÇÃO: – Portanto, tratando-se de elemento nocivo, prejudicial, nocivo à tranquilidade pública e à paz social – quaisquer atividades ou atividades subversivas e  revanchistas do mesmo, contestando o regime e atacando autoridades constituídas, funcionários e serviços públicos, deverão ser comunicadas à Polícia Federal, S.N.I e demais Órgãos da Segurança Nacional – com o necessário cuidado, secretamente , como dever cívico-patriótico do cidadão e das autoridades.

SILÊNCIO E AÇÃO: – Convém evitar toda e qualquer publicação sobre este assunto – confidencial, reservado-secreto – guardando sigilo, afim de não prejudicar a eficiência do trabalho de investigação que o caso exige.

CÓDIGO: 91-548/273-60. BRA-DF/C.RS

https://blogdegiorlandolima.com/2018/06/05/para-nao-dizer-que-nao-falei-de-ditadura/

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Não confunda jornalista com jornalismo

12 de abril de 2018, 14:29

O Dia do Jornalista foi comemorado no dia 7 de abril. Instituída em 1931, por decisão da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), como homenagem ao médico e jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró, morto por inimigos políticos em 1830, a data que quase sempre passa despercebida este ano foi marcada por um período onde esses profissionais foram bastante demandados.

O papel do jornalista de formar opiniões, conscientizar a população, oferecer à sociedade conhecimento e informações úteis em benefício das pessoas, além de contribuir para o crescimento individual, profissional e social do cidadão, tem sido cerceado a cada dia. O compromisso com a verdade tem sido agora ‘o compromisso dos patrões da comunicação com seus interesses’. A pressão dos anunciantes tem colocado em xeque a credibilidade da imprensa, indo de encontro a obrigação principal do jornalismo que é a ética profissional.

Conforme os jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, autores do O livro “Os Elementos do Jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público deve exigir”, o importante é servir o indivíduo com informações relevantes para a melhoria da sociedade, tendo como princípio a lealdade.“O que significa ser leal com o público? “Para ser leal à sociedade é preciso ser dedicado e honesto. O jornalista não pode nem deve acrescentar nada além dos fatos. É preciso manter a qualidade, coerência, exatidão e veracidade na apuração e na elaboração das matérias. É o que a sociedade espera de um jornalista”, enfatizam.

Outro fato que marcou a semana foi a manifestação da Rede Globo em relação à opinião dos seus profissionais. Após o vazamento do áudio atribuído ao apresentador do jornal Bom dia Brasil, Chico Pinheiro, em que faz críticas e um desabafo sobre a ação do juiz Sérgio Moro ao decretar a prisão do ex-presidente Lula, o diretor-geral de Jornalismo da emissora, Ali Kamel, enviou um e-mail aos jornalistas para alertar sobre o uso de redes sociais. Em um dos trechos da gravação Chico diz: “Os coxinhas estão perdidos. Precisam de outro caminho agora”. A reação quase que imediata de um dos representantes da ‘família Marinho’ é uma demonstração de que mesmo tendo um lado, seus colaboradores, principalmente jornalistas, não pode externar em público ou para o público.

A nova forma de se fazer jornalismo divide opiniões e acende a discussão sobre a regulação da mídia. É inaceitável a manipulação barata e covarde imposta pela grande mídia á incautos telespectadores. No momento em se faz necessário usar os meios mais acessíveis de comunicação para discutir de forma responsável e prudente a situação que vive o Brasil e os brasileiros, programas de televisão se não incitam o caos, exibem aquilo que não contribui para a formação de uma sociedade cidadã e consciente. Exemplos do mau jornalismo atrelado ao mau-caratismo são encontrados facilmente nas mais diversas programações do rádio e da televisão brasileira. No final da tarde desta quarta-feira, dia 11 de abril, um programa que se intitula como ‘o maior exibidor de violência, crimes e utilidade pública do país‘, teve por quase uma hora toda a sua programação voltada para o resgate de um cachorro que caiu em um córrego em São Paulo. Helicóptero sobrevoava o local, o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar e outros profissionais estiveram envolvidos no socorro do pet. Todo o Brasil ficou na expectativa acompanhando cada momento deste importante fato que roubou literalmente a cena. Uma clara demonstração da falta de senso para um país repleto de boas pautas.

O 7 de abril passará a ser marcado também, a partir deste ano, como o dia em que prenderam o maior líder político do Brasil, o ex-presidente da república, por dois mandatos consecutivos, Luís Inácio Lula da Silva. Acusado, de ter recebido de presente um apartamento no litoral paulista, Lula é inimigo declarado por empresas e empresários responsáveis pelo emprego de jornalistas.

Aos verdadeiros jornalistas, um desejo por melhores dias.

 

Por Gervásio Lima

Jornalista e historiador

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Dona Marilene

11 de abril de 2018, 11:09

Por Marcelo Rodrigues

Faz dias que enviei crônicas para o jornal. A gravidez da mulher e as preocupações com a chegada do bebê me impediram de sentar e assim escrever. Em breve também irei embora da cidade, mas, antes de ir, pensava em uma última crônica como reconhecimento ao jornal e aos que me leram. A inspiração, porém, não vinha, e fui postergando essa crônica até o momento, quando uma triste razão me empurrou para o computador: o falecimento de Dona Marilene, gentil e caridosa Senhora que fez parte da minha infância. Depois de travar demorada luta contra o câncer, hoje, totalmente exaurido, seu corpo se rendeu e ela foi finalmente vencida. Mas vencida apenas nessa batalha física, pois continuará viva e presente nos corações daqueles que a amam. Um dia, toda vida se acaba; é inútil resistir; o que fica e jamais termina é tudo aquilo que fomos de amor e de justiça.
Conheci Dona Marilene quando ela sequer completara trinta e dois anos; era, então, uma jovem e bela mulher. Naquele tempo, eu me passava por um menino mal educado e brigão, mas a quem ela sempre tratou com respeito e carinho. Esse sentimento se estendeu a toda à minha humilde e instável família. Agradeço a ela por isso.
A última vez que a vi foi há pouco mais de uma semana, quando apareceu na casa da minha mãe numa visita bem rápida. Percebi que a sua saúde estava realmente fragilizada, mas não imaginava que o fim estivesse tão próximo! Naquele dia, insisti para que ficasse um pouco mais; respondeu que viria depois, mas jamais voltaria. Hoje me culpo por não lhe ter dado mais atenção e um abraço mais forte e prolongado.
Que Dona Marilene, depois de ter sido mãe zelosa e avó dedicada, possa finalmente descansar. Aqui, sua missão já se cumpriu. A vida é algo maravilhoso, a que todos nós nos agarramos com afinco pelos tantos prazeres que é possível na vida. Mas nenhuma existência é suportável quando o sofrimento não pára, quando a dor é constante. Nenhuma existência é digna quando não mais se vislumbra a alegria. E a morte, nessas ocasiões, é até bem vinda, pois não deixa de ser uma providência do destino para cessar o sofrimento e aliviar também a angústia dos entes queridos. Intimamente, creio que agora Dona Marilene é feliz, que não sofre mais. Agora, ela está em Deus, pois voltou para as mãos da natureza, que é mãe de todos nós e para aonde tudo retorna.
– Fique em paz, Dona Marilene. Aqui, a Senhora continua nos nossos corações.

Jacobina, 09 de abril de 2018

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A moda agora é irracionalizar

05 de abril de 2018, 13:37

Por Gervásio Lima

O comportamento humano, por mais racional que se acredita ser, surpreende e assusta àqueles que procuram entender ou compreendê-lo. Atitudes intoleráveis estão se tornando comuns entre os viventes que outrora eram considerados seres inteligentes. Atos deploráveis não são mais prerrogativas dos ‘brutos’, estão presentes no cotidiano e não selecionam suas vítimas. Os que nunca tiveram o direito de acesso à informação passaram a acreditar apenas no que passa na televisão.

A globalização mudou a forma das pessoas ver e viver o mundo, principalmente do ponto de vista cultural, econômico e social. O acesso às mais diversas formas de comportamento e pensamento tem contribuído positivamente e negativamente para a formação da sempre buscada sociedade justa. A maneira como estão sendo interpretadas as mensagens enviadas pelos inúmeros meios físicos e até mesmo subjetivos tem causado um reboliço na vida de muita gente. A capacidade de pensar está sendo substituída pela facilidade de encontrar pensamentos pré-estabelecidos. Os sujos passaram a falar bem mais dos mal lavados, enquanto os erros justificam outros. Paladinos da moralidade, salvadores da pátria e até mesmo falsos profetas permeiam e emitem pareceres como sendo absolutos e verdadeiros. Anticristos prenunciam o apocalipse? Só a Bíblia explica.

A moda não é mais vestir uma calça ‘boca de sino’, fumar cigarro Malboro, possuir um ‘LP’ do Beatles, ir à uma sessão matinê no cinema ou se divertir no parque ao som de Roberto Carlos. Muitos acontecimentos que marcaram épocas ficaram démodé e viraram apenas reminiscências. A emancipação intelectual ora se confunde e o que se espera do outro se transforma em decepção. A incapacidade de discernir o certo do errado é considerado um retrocesso para os que não viveram sem a internet e um provedor global de filmes e séries? A banalização da violência e da corrupção, a extinção dos pudores e do conceito de família estão entre as principais pautas dos meios de comunicação que têm deixado de formar para deformar opiniões e, o pior, estão conseguindo.

O ódio preocupa pela sua disseminação desenfreada e por está sendo capitaneado por um leque de setores que gozavam de confiança e respeito. A teatralização ocorrida em volta de fatos políticos transforma o Brasil em um verdadeiro ‘país mambembe, com sua população passando de meros expectadores para protagonistas, mesmo não sabendo os objetivos das tramas que se envolveu.

“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

Martin Luther King

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ARTIGO: A maioria nem sempre é absoluta

22 de fevereiro de 2018, 16:39

A discussão como forma democrática de socializar as ideias através de uma série de pensamentos reúne geralmente inconcussos e os controversos. Em um debate, inevitavelmente, a gosto ou contra-gosto, o objeto pautado acaba sendo conciliado a partir do pressuposto de que a maioria vence, mesmo quando a vantagem por alguma razão, inclusive espúria, passa a ter o poder da decisão.
Numa eleição, dependendo do número de candidatos e da quantidade de votos divididos entre os mesmos, o vencedor não reflete necessariamente a vontade da maioria; ou seja, é o escolhido por meio de alguma regra procedimental. De uma forma mais clara, em um universo de 100 por cento, quem obteve apenas 35 por cento dos votos válidos não atendeu a vontade dos 65 que optaram por outras alternativas. Remetendo esta lógica para o pleito municipal é correto afirmar que aquele ou aquela que obteve apenas os votos de um terço da população eleitoral governará por conta da vontade da minoria. Quando isso acontece, como dizem os nordestinos, o ‘cabra’ tem que ser muito bom caso queira conquistar a confiança da maioria. Isso não acontecendo, o timoneiro estará fadado ao fracasso eleitoral.
A descentralização do poder, com a participação coletiva, construirá caminhos “andáveis”. Como diz o provérbio popular: “sábios são os que ouvem mais e falam menos”. Na administração pública os serviços oferecidos têm como objetivo principal a garantia dos direitos estabelecidos na Constituição Federal. Erram os que confundem suas passagens temporárias em cargos eletivos como se fossem efetivos e os que utilizam de práticas improbas para se locupletar do erário. E para que isto não aconteça, a fiscalização precisa ser uma constante, tanto por parte dos também eleitos vereadores, como, e principalmente, pela população, independente do gestor, no caso dos municípios, ser correligionário ou não.
O cidadão pode denunciar diretamente à Promotoria Pública quando tiver conhecimento sobre um fato em que a sociedade tenha sido prejudicada, ou quando um dos direitos comuns a todos tenha sido desrespeitado, como o direito à vida, à saúde, a educação e outros. A omissão cidadã tem contribuído para o aumento da corrupção e a manutenção de corruptos no poder. Vale lembrar que o egocentrismo é tão prejudicial quanto os desvios e o mau uso das verbas públicas; por tanto é necessário que se observe não apenas o que prejudica a si, como também o que afeta o coletivo. A atenção deve está voltada para a defesa dos interesses da maioria e não para uma minoria que teve a maioria dos votos em uma eleição.
A ausência de ação, a inércia, perante um erro é o acovardamento do cidadão, um mau capaz de provocar prejuízos incalculáveis à uma cidade, um estado e o país.
Felizes serão aqueles que vivem a emoção por valorizar a razão.

Por Gervásio Lima
Jornalista e historiador

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