Serra da Saudade, no interior de Minas Gerais, é a menor cidade do Brasil, com 781 habitantes. Tem uma escola, um posto de saúde, uma casa lotérica, dois mercadinhos e negócios ligados à pecuária. Emprega apenas 221 pessoas (27% da população), sendo 120 delas na Prefeitura. No Piauí, a 2,1 mil quilômetros da cidade mineira, Miguel Leão tem uma população de 1.253 habitantes, conta com uma unidade de saúde, três escolas e 186 pessoas empregadas – 15,1% da população.
A diferença entre as duas é que uma recebe o dobro de repasses federais da outra, apesar de conseguir gerar mais receitas locais. Levantamento da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra que, em 2018, a cidade mineira recebeu do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) R$ 9.158 e gerou receitas de R$ 2.568, por habitante. No período, Miguel Leão ganhou R$ 4.735 e a economia local somou R$ 197, em termos per capita.
Os dois municípios são um exemplo do que ocorre Brasil afora com as transferências do FPM – um fundo criado em 1965, durante a ditadura militar, para reduzir as desigualdades regionais. Mas, de lá para cá, o País mudou, as cidades cresceram e as regras continuam as mesmas, o que tem provocado uma série de distorções, segundo o levantamento da Firjan.
O trabalho avaliou as contas de 5.337 municípios que apresentaram balanços à Secretaria do Tesouro Nacional. Desse total, 2.457 prefeituras – ou 46% das cidades – não conseguem gerar receitas locais suficientes e tem FPM abaixo da média. “Isso significa que os repasses não são feitos para quem realmente precisa”, diz o gerente de Economia da Firjan, Jonathas Goulart.
Ele explica que o FPM – que até outubro distribuiu R$ 70 bilhões – tem privilegiado municípios pequenos, localizados em Estados mais ricos, com maior capacidade de arrecadação tributária local. Exemplo disso é que a maioria das cidades que recebem repasses federais abaixo da média estão no Norte e no Nordeste. Do outro lado, as cidades com mais capacidade de gerar receita própria e recebem transferências acima da média estão na Região Sul.
Segundo a Firjan, o Rio Grande do Sul é o Estado onde os municípios têm maior média de FPM per capita e a segunda maior geração de receita local. As cidades de Santa Catarina e Paraná também combinam alta capacidade de geração de receita e alto FPM.
Critérios
O fundo reparte entre os entes da federação uma parcela da arrecadação (23,5%) do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, de acordo com a população. Mas, na avaliação de Goulart, a fórmula de repasse é antiga e não distribui a renda de forma eficiente. Primeiro, calcula-se o que vai para cada Estado, e depois se divide pelo total de municípios. Isso tudo com base em coeficientes definidos por faixas de número de habitantes. Por exemplo, um município de 10.188 moradores terá um coeficiente diferente de um outro com 10.189 habitantes.
Para o pesquisador Rodrigo Orair, do Instituto de Pesquisa Econômico Aplicada (Ipea), o critério de repartição do fundo é ruim e está mal calibrado. “Esse tipo de fórmula era adequada na década de 60 porque não havia estatísticas precisas da população. Além de não fazer mais sentido nos dias de hoje, incentiva a divisão dos municípios.”
Ele explica que, se um município de 12 mil habitantes se dividir, ele vai se enquadrar em outra faixa com coeficiente menor, que pode render mais transferências para as duas cidades.
O consultor da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Eduardo Stranz, reconhece que a tabela do FPM é antiga, mas acredita que o fundo tem cumprido o papel de redistribuição. “É como se fosse uma renda mínima. Dá dinheiro para os municípios menores.”
Vilma Pinto, pesquisadora da área de Economia Aplicada do FGV IBRE, porém, discorda. Para ela, os critérios de distribuição têm se mostrado antigos para a realidade atual, além de serem altamente concentradores de participação dos Estados. “Podemos citar várias outras ineficiências relacionadas aos critérios de distribuição do FPM, como não levar em conta as características populacionais dos municípios (como pobreza); o resultado é ver cidades do mesmo tamanho recebendo valores diferentes por estarem situados em Estados diferentes.”
O controlador interno da Prefeitura de Serra da Saudade, Marcelo Ribeiro Machado, disse que o FPM tem sido suficiente para bancar os serviços para a população local. Segundo ele, o único problema da cidade é a falta de emprego. “De resto, está tudo certo por aqui.” A Prefeitura de Miguel Leão não respondeu ao pedido de entrevista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.