A escalada do preço do asfalto coloca mais pressão sobre os custos de obras de infraestrutura no país e gera nova onda de pedidos de renegociações de contratos entre construtoras e o poder público. Apenas em maio, o aumento no preço do insumo foi de 25%. Em agosto, foram mais 6%. Essas obras já vinham sofrendo com aumentos nos preços do aço e do cimento, que geraram atrasos em projetos e uma primeira onda de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos a partir do segundo semestre de 2020.
O problema não tem impacto imediato sobre os pedágios cobrados em rodovias concedidas, que são reajustados pela inflação, mas é foco de queixas dos concessionários, que tentam pressionar o governo a incluir gatilhos para repasses da alta do insumo. A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) diz que a situação tem gerado grande desajuste nos contratos, já que o asfalto representa 40% do custo de pavimentação e até 70% do custo de manutenção da estrutura viária.
“Os contratos têm previsão de aditamento [para acomodar o aumento de custos], mas o aditamento já não suporta mais”, diz o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski. “Então, a prefeitura para a obra e tem que fazer nova licitação.”
Em Bebedouro (SP), a cerca de 400 quilômetros da capital, a prefeitura recebeu quatro pedidos de realinhamento de preços este ano. Dois se referiam a obras em atraso e foram negados, diz o diretor de Obras do município, Leonardo Ornelas. Nos outros dois, teve que negociar.
Durante as negociações, a cidade ficou dois meses sem receber asfalto do fornecedor do serviço de tapa-buraco e teve que recorrer a doações de empresas locais para cuidar ao menos das vias mais movimentadas da cidade. “Sempre sobra pra prefeitura nunca para a empresa”, comenta Ornelas. “Para eles, na pior das hipóteses podem fazer distrato. Já eu perco convênio, perco a licitação.”
Assim como os combustíveis, o preço do asfalto vem sendo puxado pela recuperação das cotações internacionais do petróleo. Com reajustes trimestrais, o asfalto também segue o conceito de paridade de importação, que simula quanto custaria para trazer o produto do exterior. No reajuste anunciado no dia 30 de abril, o percentual de 25% surpreendeu o mercado. “Em escala, esse foi o maior aumento dos últimos anos”, diz Felipe Pacheco, superintendente executivo da Abeda (Associação das Empresas Distribuidoras de Asfalto).
De acordo com dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o preço do cimento asfáltico mais usado no país subiu 42% nas refinarias desde o início do governo Bolsonaro. A escalada, porém, começou a partir de 2015, após anos de congelamento de preços nos governos petistas. A Petrobras diz que “os produtos asfálticos são commodities comercializadas em ambiente de livre competição”. Assim, prossegue a empresa, os preços “buscam o equilíbrio com o mercado internacional e acompanham as variações do valor dos produtos e da taxa de câmbio, para cima e para baixo.”
A estatal afirma ainda que o elevado percentual de maio reflete a implantação dos reajustes trimestrais, atendendo à demanda das distribuidoras. “Após três meses de estabilidade de preços, o ajuste aplicado em maio considerou a variação do valor de mercado do produto.” Em 2019, o Ministério de Infraestrutura criou procedimentos para repassar periodicamente os aumentos de custos em seus contratos de pavimentação, o que aliviou os impactos a prestadores do governo federal. Alguns estados e prefeituras seguiram o modelo, mas o setor ainda vê grande dificuldade, principalmente, em obras municipais.
“Em muitos casos, a única solução da empresa é parar a obra”, diz Ricardo Portella, da Construtura Sultepa. Ele tem um pedido de reequilíbrio junto ao governo gaúcho, que segue o modelo federal. Em outra obra, no Maranhão, teve que atrasar o cronograma à espera de autorização para repasse do preço do aço. As dificuldades no repasse dos custos têm causado, inclusive, uma redução no consumo de asfalto no país, já que muitas construtoras aguardam sinalização dos contratantes para comprar o produto a preços novos.
“As empresas não têm condição de ficar bancando”, diz o presidente do Comitê de Infraestrutura da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), Carlos Eduardo Jorge. “Está havendo semiparalisação de grande quantidade de obras de pavimentação.” Segundo a ANP, as vendas em maio de 2021 foram 21% menores do que no mesmo período do ano anterior, quando a pandemia afetava de maneira mais forte o setor de construção.
As distribuidoras de asfalto têm olhado o mercado externo como alternativa à Petrobras, única fabricante no país. Atualmente, cerca de 5% do mercado interno é abastecido por produto importado, mas entraves logísticos dificultam as compras no exterior. “O pessoal começou a se movimentar agora para importação”, diz o presidente da Abimpa (Associação Brasileira dos Importadores de Asfalto), Bebiano Ferraz. “Mas precisa encontrar comprador, construir derretedores, tem todo um processo de adaptação.”
Os derretedores são necessários porque não há estrutura portuária disponível para receber navios com asfalto aquecido. Assim, os importadores precisam comprar o produto sólido e derreter após o desembarque. Além disso, diz Ferraz, geralmente é preciso “tropicalizar” o produto, por meio de processos químicos para adequar às especificações do asfalto importado às temperaturas brasileiras. A Abimpa tem hoje quatro associadas. Outras duas empresas estão negociando a associação.
As importações hoje vêm, em sua maioria, da Rússia. Representante de uma empresa de Dubai, Milton de Lima diz que vem concluindo as negociações de uma carga de asfalto chinês para distribuidores nacionais, que deve ser desembarcada no porto de Itajaí (SC). A busca por alternativas de suprimento é também uma maneira de se antecipar à venda das refinarias da Petrobras, diz Pacheco, da Abeda. “Não sabemos se os novos donos terão interesse em continuar fabricando o produto”, afirma.
Com a evolução de concessões rodoviárias, tanto do governo federal quanto de governos estaduais, a expectativa é que o consumo interno apresente crescimento nos próximos anos. Para os concessionários, a disparada do preço do asfalto causa impactos relevantes nos projetos de ampliação e conservação. “A forma e o momento em que os impactos nos programas de investimentos e de custos serão compensados varia de acordo com o programa de concessão, seja federal, estadual ou municipal”, disse, em nota, a A ABCR (Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias).
Folhapress