Por Giorlando Lima -
Sobre Waldir Pires, um homem da maior grandeza que eu conheci pessoalmente quando eu ainda morava em Jacobina, minha cidade natal, no longínquo ano de 1982, eu poderia republicar meu texto postado no Blog Notas da Bahia, em 31 de maio de 2010 – quando ele havia sido preterido pelo PT que hoje lhe presta homenagem, em favor de Walter Pinheiro, na campanha ao Senado. Mas, hoje Waldir nos deixou e eu, como milhares de outros baianos e brasileiros, desejo registrar meu lamento e reafirmar a minha admiração. Este ano morreram dois importantes políticos de Vitória da Conquista, Sebastião Castro e Coriolano Sales, e muitos amigos me disseram que eu tinha a obrigação de escrever sobre os dois. Não o fiz. Talvez ainda escreva. Mas, para não aumentar a minha dívida com meus poucos leitores, ponho neste pequeno texto algumas coisas a mais que eu não disse no artigo de 2010.
Em 1982, a ditadura militar autorizou as primeiras eleições diretas para governador nos estados. Ciente de que os quatro partidos de oposição (PMDB, PDT, PTB, PT) poderiam ganhar na maioria dos estados (o PMDB venceu em nove e o PDT em um), foi instituído um casuísmo para assegurar ao PDS a maioria dos votos, o denominado voto vinculado, logo apelidado pela população de “voto camarão”, porque o eleitor era obrigado a votar em todos os candidatos do mesmo partido, a partir do governador, que ficava no topo da lista, na cabeça, até o vereador. Waldir concorria ao Senado, junto com Luís Viana Filho (PDS) e Sérgio Guimarães (PT) e Viana venceu, com 60,9% dos votos. Waldir teve 38,16% (991.988 votos) e Sérgio 0,94%.
O candidato a governador da Bahia pelo PMDB foi Roberto Santos. Fui ao comício do partido em Jacobina. O que eu sabia de Waldir Pires era de uma parca leitura. Lembro que ele fez um discurso memorável, como lhe era característico. Vi-o, de longe, levantar a mão direita no ar, com os dedos abertos e falar sobre a importância da união em defesa da democracia, na luta por um país livre e igual. Eu disse a mim mesmo, ali, que se um dia eu me tornasse orador, queria falar como Waldir, mas sabia que não conseguiria hipnotizar a plateia como ele fez comigo e com as milhares de pessoas que se juntavam em frente ao palanque montado na Praça Castro Alves, em um espaço recuado à esquerda e na frente da Igreja Matriz de Santo Antônio.
Viria reencontrar com Waldir Pires em Jequié, em ato da campanha de Tancredo Neves, que aconteceu pelo país, como se fosse uma eleição direta. Ele representava a si, a Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, que não foram, e a uma multidão na Praça Ruy Barbosa. Fui à Cidade Sol como repórter do jornal A Tarde, a partir da sucursal de Vitória da Conquista, e gravei o discurso de Waldir. Uma maravilhosa pérola que tenho até hoje em uma fita da minha coleção de K7. Era novembro de 1984.
Eu sou este rosto, o segundo da esquerda para a direita, na fila de jornalistas, em 1985. À nossa frente, Pedral, Waldir e Hélio Ribeiro (coçando os olhos)
No ano seguinte, já preparando a sua candidatura a governador, Waldir Pires esteve em Vitória da Conquista como ministro da Previdência. Estava em uma nova frente de batalha: reduzir o déficit da previdência, para o que fez todos os esforços, deixando claro que a fonte do problema não eram os trabalhadores, mas a sonegação. Isso foi há 33 anos. Se tivessem dado as condições que ele requereu para resolver o problema, não estaria o país hoje ainda sob essa nuvem assombrosa, que ameaça aposentadorias, esgarça popularidade de governos e não é uma coisa clara para ninguém. Quando veio a Conquista como ministro do governo Sarney (foi escolhido para o cargo por Tancredo Neves, logo depois da eleição pelo colégio eleitoral), Waldir recebeu a imprensa no gabinete do prefeito. Eu estava lá, mas a foto (acima) só mostra parte do meu rosto, a demonstrar meu olhar atento.
Waldir Pires e Pedral, em outubro de 1986. Expressões que demonstram o nível de amizade dos dois. (Foto: Acervo do BLOG)
Dois anos depois Waldir Pires era candidato a governador da Bahia, contra Josaphat Marinho. Teve sua campanha lançada em Conquista e tinha em José Pedral, prefeito do município, seu principal articulador, vindo a se tornar o coordenador-geral. Quando Waldir falou na Praça Barão do Rio Branco, até o bêbado (havia sempre um – pelo menos – nos comícios) se calou para ouvir. Naquela eleição, acompanhado Pedral, tive outras chances de ouvir o candidato que viria a vencer com uma das vitórias mais marcantes da política baiana. Em cada cidade, a mesma magia. E a campanha se agigantava com uma espontaneidade incrível. As pessoas diziam, depois das festas promovidas pelos adversários liderados pelo então ministro Antônio Carlos Magalhães, “já comi, já bebi, agora vou votar em Waldir”. E ele obteve 2.675.108 votos, quase um milhão e meio à frente de Josaphat Marinho.
Voltei a ver Waldir Pires já em seu gabinete de governador, no Centro Administrativo da Bahia. Lembro bem do momento, embora não recorde o que eu fazia lá. Esperavam na sua antessala um trio de deputados estaduais, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa, Coriolano Sales. A certa altura, a porta do gabinete se abre e de lá vem sorridente Waldir. Cumprimenta cada um dos parlamentares, indica-lhes a porta de entrada e os acompanha, mas não sem antes, de forma cortês, didática, mas firme, dar uma lição aos ajudantes de gabinete. Diz-lhes, mais ou menos isso: “Meus filhos, em nosso estado republicano três poderes se harmonizam e se igualam na responsabilidade de manter a democracia. Estes senhores são deputados, foram eleitos como eu fui, representam o povo, representam a nós todos, são dirigentes da Assembleia Legislativa, sendo um deles seu presidente, assim, digo que eles não podem, em qualquer circunstância, ser deixados a esperar aqui fora”.
Daí em diante, só o vi mais uma vez no aeroporto de Salvador e todas as outras na TV, quando mostravam, ou sabia dele em matéria de jornais. A internet era incipiente. No ano de 2002, sentei-me ao lado dele, na casa do atual presidente estadual do PT, Everaldo Anunciação, em Itabuna, enquanto esperávamos a hora de seguir para um encontro com Lula, então presidenciável, em uma casa que o então prefeito Geraldo Simões tinha na praia de Luzimares, a 25 quilômetros do centro de Ilhéus. Aproveitei a meia hora de espera para perguntar sobre política e, em especial, para saber o que ele ainda pensava de José Pedral, com quem estava rompido havia cerca de dez anos.
O afastamento se deu ainda quando Waldir era governador, antes de sua saída para compor a chapa de Ulysses Guimarães à presidência. Pedral tinha sido um dos maiores responsáveis pelo sucesso da campanha de Waldir e contava que teria dele o apoio para ser candidato. Chegou a pontuar com 7% nas pesquisas. Mas, Waldir preferia Sérgio Gaudenzi, que foi seu secretário-geral na Previdência e era secretário da Fazenda na administração estadual. Mas, deu Nilo Coelho, que assumiu governo com a saída do titular, em maio de 1989. De Coriolano, decepcionado, Waldir teria dito: “Este rapaz é uma fraude”. Perguntado por mim sobre os dois, Waldir, devagar e respeitosamente, mas sem querer dar conversa, disse que os dois o decepcionaram. Não disse mais nada sobre Cori, mas sobre Pedral disse que jamais esperava que um de seus mais antigos aliados (desde 1958) tivesse mudado para o lado que sempre combateu, se aliando a ACM, em 1992, para vencer a quarta eleição que disputou.
A conversa não durou o tempo que eu queria. Logo seguíamos rumo a Luzimares, para conversar e jantar com Lula, no carro do publicitário Sérgio Guerra: Waldir no banco da frente; Jaques Wagner, eu e Eduardo Deda, que era prefeito de Aracaju e depois foi governador de Sergipe no banco de trás. Tocava Cássia Eller, e sua voz maravilhosa foi o assunto de boa parte da viagem, alternando-se com as chances de Lula se eleger.
Desde então, não mais encontrei com Waldir Pires em pessoa, só o acompanhava pela imprensa. Quis que ele fosse candidato ao Senado, em 2010. Imaginei que o PT poderia levar em conta aspectos históricos, morais e afetivos para lançá-lo e lhe dar a oportunidade de obter o mandato que não conseguiu em 1982 e que lhe foi roubado na eleição de 1994, quando Waldeck Ornelas virou senador, mas o partido preferiu Walter Pinheiro. Hoje, quando Waldir não mais está aqui para qualquer disputa, tendo exercido o seu último mandato na Câmara de Vereadores de Salvador, eu imagino que ele não precisava ser senador para confirmar sua grandeza, mas tenho certeza de que a Bahia e o Brasil teriam sido um pouco maiores de ele tivesse chegado lá.