Apesar das relações comerciais prósperas, relação entre China e Brasil está enfraquecendo
14 de fevereiro de 2022, 11:05
(Foto: Reprodução)
Em uma viagem à China em 2004, Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente do Brasil, levou consigo uma comitiva digna de uma estrela do rock: sete ministros, seis governadores e mais de 450 empresários. Relações foram criadas e acordos foram debatidos. Nos cinco anos seguintes, a China se tornou o parceiro econômico mais importante do Brasil. Em 2019, as negociações anuais entre os países eram de US$ 100 bilhões.
A primeira visita oficial à China de Jair Bolsonaro, atual presidente do Brasil, foi bem mais discreta. Bolsonaro passou boa parte de sua campanha eleitoral em 2018 se posicionando contra o país, que ele acusava de querer “comprar o Brasil”. Quando visitou a China em 2019, levou com ele quatro ministros, mas nenhum assessor econômico sênior. Embora tenha falado de como os países estavam “completamente alinhados”, a viagem foi ofuscada pelo debate se ele iria permitir ou não que a Huawei, uma empresa chinesa de telecomunicações, construísse sua rede de 5G no Brasil.
As relações entre Brasil e China nunca foram fáceis, mas sob Bolsonaro, elas nunca foram piores. Apesar de sua conversa de alinhamento em 2019, ele continuou a criticar a China, assim como integrantes de sua família, muitos deles também envolvidos na política. No início da pandemia, seu filho, Eduardo, falava do “vírus chinês”. No ano passado, sem mencionar o nome da China, o presidente brasileiro ponderou se a covid-19 poderia ser uma “guerra química”. A China, por sua vez, talvez esteja interessada em negociar com o Brasil, mas está cada vez mais cautelosa em investir no País – e no restante da América Latina.
O antagonismo de Bolsonaro não passou despercebido pelas autoridades chinesas. Em 2020, Li Yang, cônsul-geral da China no Rio de Janeiro, escreveu um artigo de opinião para o jornal O Globo, no qual respondeu aos comentários de Eduardo com uma ferocidade incomum. O chefe da Sinovac Biotech, empresa chinesa que fornece vacinas contra a covid-19 para o Brasil, foi citado pela Reuters como tendo dito a diplomatas que os comentários do presidente brasileiro estavam impedindo uma relação “fluida e positiva” entre os dois países.
Às vezes, a China gosta de lembrar seu poder ao Brasil. No final do ano passado, as exportações brasileiras de carne bovina foram prejudicadas quando a China impôs uma proibição de três meses depois de dois registros de casos suspeitos da doença conhecida como “vaca-louca” em dois estados diferentes. O valor das exportações de carne bovina despencou e a proibição custou cerca de US$ 2 bilhões em vendas. Muitos consideraram o embargo estranhamente longo.
Apesar da discussão quanto à carne bovina, o comércio entre Brasil e China tem prosperado, mesmo durante a pandemia. Em 2021, a China comprou mais de 30% das exportações físicas do Brasil, ante menos de 20% nos cinco anos anteriores. A maior parte foi de soja, petróleo bruto e minério de ferro, mas os envios de carne e outros bens de maior valor também cresceram nos últimos anos, principalmente desde que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China começou em 2017.
Mas outros laços econômicos entre Brasil e China parecem estar se enfraquecendo. O investimento da China no Brasil atingiu o pico em 2010, segundo o Conselho Empresarial China-Brasil (CEBC). Naquele ano, a China investiu US$ 13 bilhões em 12 projetos. O CEBC estima que, no ano passado, a China tenha investido apenas cerca de US$ 4 bilhões.
Isso sugere uma tendência mais ampla. Embora os presidentes da Argentina e do Equador tenham ido recentemente a Pequim com o intuito de melhorar os laços econômicos com a China, os acordos econômicos entre a China e a América Latina diminuíram nos últimos anos. Em um discurso à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), uma organização internacional da região, em 2015, Xi Jinping, presidente da China, prometeu US$ 250 bilhões em investimentos na América Latina até 2025. Mas entre 2015 e 2020 as empresas chinesas investiram apenas US$ 76 bilhões na região, de acordo com pesquisadores da Universidade Boston. Em dezembro, em outra reunião com a CELAC, Xi não prometeu quaisquer outros investimentos. (O Brasil não compareceu à reunião, pois Bolsonaro suspendeu a participação do País na CELAC em 2020.)
O Brasil, em particular, dificulta o investimento estrangeiro. As normas e regulamentos do País são enormes e estão em constante mudança. Sua moeda, o Real, é volátil; suas leis trabalhistas são complicadas e seu sistema tributário precisa seriamente de uma reforma. A corrupção e a incerteza sobre a política econômica não ajudam. “Se uma empresa chinesa pode sobreviver no Brasil, ela pode fazer isso em qualquer lugar”, diz Qu Yuhui, diplomata chinês que estava trabalhando no Brasil até bem pouco tempo.
Os investidores chineses focam no que eles percebem como apostas seguras. Aproximadamente metade do dinheiro que eles investiram no Brasil antes de 2020 foi para a geração de eletricidade, que tem o benefício de contratos de longo prazo. Várias empresas de energia chinesas têm se estabelecido no País. O Brasil se beneficia da experiência chinesa: ambos os países têm linhas de transmissão de ultra-alta tensão que se estendem por milhares de quilômetros.
O setor de energia, entretanto, também gera desafios. No ano passado, o CEO da State Grid Brazil, subsidiária de uma das maiores empresas estatais chinesas de eletricidade, descreveu a dificuldade de aquisição de terrenos para uma enorme linha de transmissão entre a Usina de Belo Monte, no Pará, na região norte, e os consumidores do sudeste do Brasil. O esforço envolveu negociar individualmente com “3.337 proprietários de terras” e conseguir “204 licenças inter-regionais, incluindo [para] rios, linhas de transmissão, rodovias, ferrovias, oleodutos, pequenos aeroportos, etc”.
O Brasil deveria estar fazendo mais para atrair investimentos estrangeiros, mas seus esforços tendem a ser esporádicos, impulsionados mais por políticos estaduais do que pelo governo federal. O estado de São Paulo, por exemplo, montou um escritório comercial em Xangai em 2019. João Doria, governador de São Paulo, acredita que isso o ajudou a fechar um acordo com a Sinovac para vacinas contra a covid-19. Mas poucas empresas brasileiras abriram escritórios na China, ou inclusive se aventuraram a visitar o país, diz Tatiana Lacerda Prazeres, consultora comercial na China e ex-secretária de Comércio Exterior do Brasil. “Há uma percepção entre algumas das principais autoridades brasileiras, e até mesmo algumas empresas, de que a China é mais dependente do Brasil do que o contrário”, diz ela.
O grande apetite da China por commodities brasileiras reforça esse comportamento. Mas a visão da China é bem diferente. Em comparação com outras regiões, a América Latina sempre foi a “menor prioridade” da China em termos de diplomacia e investimento, diz Margaret Myers, do Inter-American Dialogue, um think tank americano. A Ásia e a África continuam sendo mais importantes.
Além disso, o apetite da China talvez esteja mudando. Sua movimentação em direção à “autossuficiência básica” em grãos, conforme explicado em seu último plano quinquenal, inclui um esforço para aumentar a produção de soja. O ceticismo em relação ao seu plano é abundante. Mas até mesmo uma pequena queda nas compras da China prejudicaria o Brasil, que envia 70% de suas exportações de soja para o país. Se a demanda por novas moradias nas cidades chinesas caísse, como alguns preveem, isso diminuiria a demanda por minério de ferro brasileiro e outros insumos. (Embora uma desaceleração no setor da construção de imóveis residenciais talvez também leve as empresas chinesas de infraestrutura a procurar por oportunidades no exterior.)
A eleição presidencial do Brasil em outubro ajudará a determinar o futuro das relações. Lula está pensando concorrer ao cargo. Ele supera Bolsonaro por uma ampla margem na maioria das pesquisas. Se ele se tornar presidente outra vez, há poucas dúvidas de que ele tentaria restabelecer os laços. Conquistar investidores chineses, no entanto, talvez seja mais difícil na segunda tentativa.
Economist
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