Amazônia e indígenas chegam ao cerne da Igreja Católica
28 de outubro de 2019, 08:08
Defender povos da Amazônia é resposta à crise ecológica, diz sínodo no Vaticano (Foto: DW/N. Pontes)
Igreja se consolida como aliada de populações indígenas da Região Amazônica. Documento final do Sínodo para a Amazônia defende demarcação de terras e se opõe a projetos extrativistas na área.
Antes de o líder da Igreja Católica dar sua mensagem na missa de encerramento do Sínodo para a Amazônia, neste domingo ((27/10), foi Patrícia Gualinga, indígena do Equador, que leu para a multidão reunida na Basílica de São Pedro.
Nos bancos da frente, bispos e representantes de diferentes etnias dos nove países amazônicos ouviam o texto na voz de Gualinga, que destacava os oprimidos, os humildes e a justiça.
Na sequência, a mensagem enviada pelo papa Francisco reforçou a leitura anterior. “Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar a voz dos pobres e refletir sobre a precariedade de suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios”, disse, referindo-se aos povos que habitam a Floresta Amazônica.
Segundo Francisco, cristãos na sociedade ainda oprimem, “levantam muros para aumentar as distâncias”, “ocupam territórios e usurpam” bens daqueles que julgam inferiores.
“Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa terra: é o que vemos no rosto cheio de cicatrizes na Amazônia”, disse.
Nas mãos do papa se encontra agora o destino do documento elaborado ao fim das três semanas do Sínodo para a Amazônia. Dividido em cinco capítulos, o texto propõe diretrizes para a Igreja Católica aumentar sua presença na região e reforçar a chamada conversão ecológica.
Votado por 181 bispos, o documento defende posicionamentos claros, como defesa da demarcação de terras indígenas, oposição a empreendimentos que trazem impactos negativos para os povos e uma maior participação nas discussões políticas.
“Nós sentimos que o papa é o nosso aliado. Ele ouviu o nosso chamado”, disse à DW Yésica Patiachi Tayori, professora indígena do Peru, durante a celebração.
© Getty Images/AFP/A. Solaro Papa celebra missa de encerramento de Sínodo para a Amazônia
Amazônia no coração do mundo
O documento deve ser revisado até o fim do ano e, depois de publicado pelo papa, deve começar a ser aplicado nas igrejas em todo o mundo.
Com bases científicas e informações colhidas diretamente nos territórios, o texto classifica a Amazônia como “coração biológico” ameaçado pela “corrida desenfreada para a morte”.
Entre as diretrizes recomendadas estão o respeito à cultura e espiritualidade indígenas, aos seus direitos, como também um posicionamento contrário a projetos que causam destruição socioambiental. “Pior ainda, muitos desses projetos são realizados em nome do progresso, e são apoiados – ou permitidos – por governos locais, nacionais e estrangeiros.”
“Temos que nos organizar para darmos uma resposta a isso”, comentou David Martínez de Aguirre Guinea, monsenhor de Porto Maldonado, Peru, sobre a crescente disputa no território. “Colocamos a Amazônia no coração da Igreja e queremos colocar no coração do mundo.”
Embora o termo “ecológico” esteja em moda atualmente, o mundo parece ainda não ter uma compressão do que isso significa, afirma Michael Czerny, secretário especial do Vaticano. “A crise ecológica é tão profunda e se não mudarmos não vamos conseguir.”
A resposta à crise, segundo o documento final do Sínodo, é defender os povos da Amazônia. “Na floresta, não só a vegetação se entrelaça apoiando uma espécie à outra, mas também os povos se interrelacionam numa rede de alianças que beneficiam a todos.”
Luz e sombra na Amazônia
Para aumentar a presença da Igreja Católica nas comunidades remotas, o Sínodo sugeriu relaxar regras e permitir maior participação de homens casados e mulheres.
Apesar das visitas esporádicas na atualidade, representantes da Igreja Católica tiveram papéis importantes em muitas comunidades na Amazônia brasileira.
Foi o que aconteceu na comunidade ribeirinha do Roque, no município de Carauari, Amazonas, onde, atualmente, o padre da cidade faz raras visitas. As outras três igrejas evangélicas têm cultos regulares e há pastores entre os moradores locais.
Mas veio de um padre, no fim da década de 1980, a proposta que libertou a comunidade do trabalho análogo ao escravo que muitos vivenciavam naquela época. Eles extraíam seringa, matéria-prima da borracha, na floresta onde alguns alegavam ter a propriedade e eram obrigados a fornecer a produção para esses “patrões” que, em troca, vendiam alimentos a preços superfaturados.
“Padre João Derickx ajudou a organizar o povo e trabalhou na conscientização dos seringueiros”, aponta Eulália Silva, que atuou como voluntária ao lado do padre holandês. Derickx, que faleceu em 2013, incentivou os seringueiros a brigar pela criação de uma reserva extrativista no local, que se consolidou em 1997 e acabou com a era dos patrões.
Cinco séculos depois de sua chegada à América do Sul, junto a espanhóis e portugueses, a Igreja Católica reconhece os erros da colonização e as milhares de mortes de indígenas.
“De fato, a Igreja é marcada por luz e sombra; muitas coisas prejudicaram a vida das populações originárias. E ainda hoje não se respeitam as tradições desses povos e, muitas vezes, tentam impor uma cultura”, pontua Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).
Para Maurício Lopes, da Repam (Rede Eclesial Pan-Amazônica), o papa, ao priorizar a defesa da Amazônia e seus povos, se coloca como uma “voz ética global”.
“A voz do papa representa uma narrativa que defende o futuro, o combate às mudanças climáticas, a proteção do meio ambiente, a defesa da vida”, avalia Lopes.
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Autor: Nádia Pontes
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