A onda de assassinatos de crianças retratada em série da Netflix investigada quase 40 anos depois

05 de setembro de 2019, 10:09

Entre 1979 e 1981, pelo menos 28 jovens negros, a maioria entre 7 e 17 anos, foram mortos nessa cidade americana (Foto: Getty Images / BBC News Brasil)

Entre 1979 e 1981, pelo menos 28 jovens negros, a maioria entre 7 e 17 anos, foram mortos em cidade americana; os casos, que são tema de segunda temporada de série ‘Mindhunter’ nunca foram resolvidos.

“São 10h da noite. Você sabe onde estão seus filhos?”. A frase, repetida diariamente pela apresentadora do telejornal do canal WSB-TV, de Atlanta, ilustrava o clima de apreensão que dominava a cidade americana no início dos anos 1980.

Entre 1979 e 1981, pelo menos 28 jovens negros, a maioria meninos com idades entre 7 e 17 anos, foram mortos em Atlanta. Muitas das vítimas desapareciam em plena luz do dia, algumas a caminho de casa.

Seus corpos eram encontrados semanas ou meses depois, abandonados em lixeiras, em rios e embaixo de pontes. Alguns haviam sido estrangulados, outros esfaqueados ou mortos a tiros.

A onda de sequestros e assassinatos aterrorizou a comunidade negra da cidade e ganhou atenção nacional. Pais não deixavam os filhos brincar na rua, com medo de que pudessem ser a próxima vítima. Grupos de moradores patrulhavam os bairros armados com bastões de beisebol.

Durante três anos, a polícia investigou dezenas de pessoas. Detetives debatiam se os crimes eram obra de diferentes assassinos ou de um único serial killer. Até que, em 1981, policiais prenderam o suspeito Wayne Williams. No ano seguinte, ele foi condenado pelo assassinato de dois adultos e sentenciado à prisão perpétua.

A polícia acreditava que Williams também era responsável pelos outros assassinatos, mas ele nunca foi levado a julgamento por esses crimes. Muitas das famílias das vítimas duvidam que Williams seja culpado de todas as mortes.

Apesar disso, os mais de 20 casos foram encerrados após sua prisão e, até hoje, ninguém foi condenado pelos assassinatos das crianças de Atlanta.

Interesse renovado

Agora, 40 anos depois, os crimes voltam a despertar interesse. O caso é retratado na segunda temporada da série Mindhunter, na Netflix, além de ter sido tema de um recente documentário do canal Investigação Discovery e de um podcast, Atlanta Monster.

Em março, a prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottoms, anunciou que as autoridades iriam reexaminar evidências coletadas sobre as mortes. Também disse que está em estudo a criação de um memorial para lembrar as vítimas

Prefeita de Atlanta, Keisha Bottoms, anunciou que o caso da morte de 28 jovens seria reaberto para investigação

Foto: Divulgação / BBC News Brasil

“Nós agora sabemos que a tecnologia de DNA é muito mais avançada. Isso não existia em 1981”, disse Bottoms. “Queremos determinar de uma vez por todas se há evidências adicionais que possam ser testadas e talvez trazer um pouco de paz às famílias das vítimas, para que saibam que fizemos tudo o que podíamos fazer.”

“Para aqueles de nós que cresceram nessa época, isso moldou nossa infância de tantas maneiras, nos roubou a inocência e nos lembrou que o mal era real”, recorda Bottoms, que tinha nove anos de idade quando as mortes começaram e lembra do impacto dos crimes na vida da cidade.

A série de crimes começou em julho de 1979, quando os corpos de Edward Hope Smith, de 14 anos, e Alfred James Evans, 13, foram encontrados em um terreno baldio. Smith estava desaparecido havia uma semana e foi morto a tiros. Evans havia sido visto pela última vez três dias antes. Ele foi estrangulado.

Logo outros jovens negros começaram a desaparecer. Ao todo, foram encontrados os corpos de 24 crianças negras, sendo duas meninas e os demais meninos. Além deles, Darron Glass, de 10 anos, desapareceu em 1980 e nunca foi encontrado. Outras vítimas foram classificadas como adultos.

Famílias

Os crimes abalaram a cidade, que tinha seu primeiro prefeito negro, Maynard Jackson, e buscava deixar para trás sua história de injustiça racial e se consolidar como metrópole moderna.

Muitas das famílias reclamavam que o caso não recebia a devida atenção das autoridades por se tratarem de crianças negras e pobres.

“Não acho certo que todas essas crianças tenham sido mortas nesta cidade e ninguém tenha se preocupado com isso”, disse Catherine Leach durante o anúncio da nova análise das evidências.

Seu filho, Curtis Walker, tinha 13 anos quando desapareceu depois de ir ao mercado. O corpo foi encontrado duas semanas depois, em um rio. Ele havia sido estrangulado.

“Dói muito”, disse Leach. “Eu quero saber quem matou Curtis. Eu quero Justiça, para que eu possa descansar em paz.”

Investigação

A polícia não sabia se os crimes eram obra de um único assassino. Muitos na comunidade negra da cidade suspeitavam que as mortes pudessem estar ligadas a supremacistas brancos da Ku Klux Klan.

Com os casos se acumulando e os crimes ganhando manchetes, mais recursos foram empregados nas investigações. Em determinado momento, mais de cem policiais participaram dos trabalhos, além de agentes do FBI enviados a Atlanta. Artistas como Frank Sinatra e Sammy Davis Jr. realizaram shows na cidade para arrecadar dinheiro para as famílias das vítimas.

Em maio de 1981, Wayne Williams, um homem negro de 23 anos que se identificava como promotor musical e fotógrafo freelancer, foi parado pela polícia ao passar por uma ponte, após um policial ter ouvido o barulho de algo caindo na água. Poucos dias depois, o corpo de Nathaniel Cater, de 27 anos, foi encontrado no rio.

Ao revistar a casa de Williams, a polícia encontrou pelos de cachorro e fibras de carpete consistentes com os que foram encontrados em várias das vítimas. Em 1982, ele foi julgado e condenado pelo assassinato de Cater e de outro adulto, Jimmy Ray Payne, de 21 anos, e sentenciado a duas penas consecutivas de prisão perpétua.

Apesar de a polícia suspeitar que Williams era responsável por pelo menos 22 dos assassinatos de crianças, ele sempre negou que fosse culpado, e nunca foi julgado por esses crimes. Depois de sua prisão, a polícia encerrou os casos, e os crimes pararam.

Frustração

O fato de ninguém nunca ter sido julgado e condenado pelas mortes das crianças frustrou muitas famílias e levantou questões sobre se Williams realmente era culpado de todos os crimes. Aos 61 anos, ele permanece preso e ainda nega que seja culpado.

“Apesar de haver evidências ligando Williams a essas 22 crianças, ele só foi julgado nos casos de dois adultos. Isso faz com que algumas das famílias das vítimas sintam que nunca receberam justiça”, disse a chefe de polícia de Atlanta, Erika Shields, durante o anúncio da nova análise das evidências.

A chefe de polícia de Atlanta, Erika Shields, diz que os policiais vão vasculhar todas as evidências coletadas na época e usar novas tecnologias para tentar identificar o autor das mortes

Foto: divulgação / BBC News Brasil

Shields disse que as autoridades irão vasculhar todas as caixas com evidências coletadas na época para ver se há algo que nunca foi testado ou que, diante dos avanços tecnológicos recentes, mereça ser testado novamente.

Segundo a chefe de polícia, o fato de que ela teve dificuldade em descobrir onde parte das caixas estava guardada indica que a análise dessas evidências não foi esgotada.

“Nós não sabemos o que iremos encontrar, mas o que sabemos é que temos uma obrigação com essas famílias, de assegurar que todas as linhas imagináveis de investigação foram seguidas”, disse Shields.

O porta-voz do Departamento de Polícia de Atlanta, Carlos Campos, disse à BBC News Brasil que, no momento, não pode revelar nenhum resultado da nova análise das evidências.

Boas Festas!

VÍDEOS