Um dos maiores vazamentos de óleo da Europa mostra como é difícil punir culpados
25 de outubro de 2019, 08:47
Grandes porções da costa da Galícia foram afetadas pelo vazamento. (Foto: Reprodução)
Uma das maiores catástrofes ambientais que a Europa já sofreu, 17 anos atrás, foi provocada por um velho petroleiro carregado com 70.000 toneladas de um combustível muito viscoso. O navio, chamado Prestige, navegava em 13 de novembro de 2002 pelo Atlântico em plena tempestade, a 50 quilômetros da costa da Galícia, no canto noroeste da Espanha. Sofreu uma rachadura em seu casco, e o piche que cuspiu chegou até a França, poluindo 2.000 quilômetros de litoral à sua passagem. As imagens da época, com voluntários atuando para limpar as praias, lembram cenas que se repetem nos últimos dias ao longo do litoral do Nordeste brasileiro, devido a um misterioso vazamento de óleo.
A magnitude daquela maré negra provocou uma crise política na Espanha e uma onda internacional de solidariedade para limpar as zonas afetadas. As características do óleo combustível expelido pelo Prestige, muito denso, mas nada volátil nem solúvel, facilitou sua expansão. A demora das autoridades em reagir e a ausência de barreiras suficientes contra a contaminação marinha levou, nos primeiros dias, os marinheiros galegos a se lançarem ao mar para recolherem o hidrocarboneto com suas próprias mãos, na tentativa de salvarem os ricos bancos pesqueiros e marisqueiros dos quais vivem. Milhares de voluntários se deslocaram durante meses à Galícia para ajudar a separar e recolher a camada de piche que grudou nas falésias e envenenou a areia de 745 praias.
A tendência do hidrocarboneto do Prestige a se emulsionar multiplicou os resíduos. Voluntários, militares, barcos pesqueiros e embarcações de despoluição recolheram em terra e mar um total de 80.000 toneladas de piche, quando a carga vertida pelo petroleiro rondou as 60.000. Tamanha foi a mobilização que durante os primeiros três meses uma média diária de 2.500 pessoas foram de forma altruísta limpar manualmente a costa. Primeiro sem a devida proteção, mas depois providos de máscaras e macacões brancos, para evitar problemas cutâneos e respiratórios.
O descaso das autoridades nos primeiros momentos, insistindo em negar a gravidade ambiental do naufrágio, fez eclodir um movimento de indignação batizado como Nunca Máis (assim se grafa no idioma galego), e cujo lema continua sendo utilizado ainda hoje em protestos populares na Espanha. A fatura definitiva daquele desastre por danos “patrimoniais, ambientais e morais” foi estipulada há apenas dois anos em 1,57 bilhão de euros (sete bilhões de reais), após um longo processo judicial. Entretanto, o cipoal de empresas relacionadas com o barco ainda não pagou nada.
A maré negra terminou em 2018 nos tribunais espanhóis com uma condenação definitiva por crime ambiental contra o capitão do navio, o grego Apostolos Mangouras. A Justiça absolveu o único responsável do Governo espanhol — presidido em 2002 por José María Aznar, do conservador Partido Popular — a ser levado ao banco dos réus. O caso, entretanto, não está encerrado. O pagamento das milionárias indenizações reivindicadas por 1.900 afetados deve ser assumido pela seguradora da embarcação, uma firma britânica chamada London P&I Club, cuja apólice só cobre 900 milhões de euros. Para obter esse dinheiro, a Espanha prepara uma batalha judicial que deverá travar no Reino Unido.
A catástrofe revelou o complexo cipoal corporativo que rodeia a navegação marítima e que complica muito a apuração de responsabilidades. O Prestige tinha armador liberiano, bandeira das Bahamas e capitão grego, e transportava óleo combustível de propriedade suíça. O dano ambiental, contudo, foi revertido mais rápido que o previsto, graças, segundo os cientistas, à enorme eficácia regeneradora da natureza. O petroleiro afundou a 250 quilômetros da costa galega, e seus destroços continuam lá, com milhares de toneladas de piche ainda dentro. As autoridades acreditam que ele nunca sairá de lá.
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