O que a foto “altamente confidencial” do Irã tuitada por Trump revela sobre o poder de espionagem dos EUA

08 de setembro de 2019, 11:04

(Foto: TWITTER @DONALDTRUMP)

Uma imagem de satélite publicada no Twitter se tornou mais uma fonte de polêmicas envolvendo o presidente americano Donald Trump.

Para especialistas em inteligência militar, a fotografia pode esconder informações secretas que não aparecem de forma explícita na imagem.

Supostamente registrada por um satélite espião de Washington, a foto mostra, segundo Trump, uma plataforma de lançamento espacial iraniana. Mas seu alto nível de detalhes sugere que a imagem seria, na verdade, um arquivo classificado como “altamente confidencial”, segundo a avaliação de especialistas militares e em proliferação de armas nucleares.

Afinal, qual seria a intenção do presidente dos EUA ao publicar a foto? Trata-se de um erro de estratégia ou é possível interpretá-la como uma mensagem de poder para o resto do mundo?

A origem da polêmica

A imagem polêmica foi publicada em 30 de agosto. Na véspera, a imprensa dos EUA havia divulgado reportagens sobre uma explosão ouvida no Irã durante o lançamento do satélite Nahid 1, após tentativas fracassadas de disparo no início do ano.

Imagem de satélite registrada pela Maxar Technologies em 29 de agosto mostra momentos seguintes a uma explosão no Centro Espacial Nacional Imán Jomeini, ao sul de Teerã

Mas antes que o Irã se pronunciasse sobre o caso, o presidente americano se adiantou em confirmar o suposto lançamento, ao mesmo tempo em que descartava sua participação no processo.

“Os EUA não estiveram ligados ao catastrófico acidente durante os preparativos finais para o lançamento do Safir SLV no Centro 1 de lançamentos de Semnán, no Irã”, tuitou Trump.

“Desejo ao Irã boa sorte para descobrir o que aconteceu no Centro 1”, prosseguiu o americano, junto à imagem que supostamente mostra uma explosão em uma plataforma de lançamento espacial iraniana.

Horas depois, no entanto, o Irã negou a informação e mostrou imagens de seu satélite, ainda em terra firme, no seu Centro de Pesquisas Espaciais.

“Eu e Nahid 1 agora mesmo. Bom dia, Donald Trump”, tuitou com ironia o ministro iraniano de Comunicações, Mohamad Yavad Azarí Yahromí, com uma selfie junto ao satélite.

O ministro disse “não ter ideia” da origem das declarações de Trump e assegurou que o Nahid 1 seria colocado em órbita durante o mês de setembro.

Os EUA afirmam que por trás destes lançamentos se esconde um plano de Teerã para desenvolver mísseis balísticos com capacidade de carregar ogivas nucleares. O Irã nega e insiste que seus projetos são civís, não militares.

Alta resolução

Mas o mais novo atrito entre falas de Washington e Teerã não foi a principal notícia neste caso.

O alto grau de detalhe da foto publicada por Trump supreendeu especialistas, que concluem que a origem da imagem não poderia corresponder a um satélite comercial, mas sim a um documento de informação militar classificada.

“É tão nítida e tem resolução tão alta que não creio que possa ter vindo de um satélite”, disse a subdiretora da Rede Nuclear Aberta de Viena, Melissa Hanham, à rádio americana NPR.

Muitos analistas destacam que desconheciam o nível de precisão que o exército dos EUA é capaz de captar desde o espaço, dado que imagens deste tipo que foram desclassificadas por presidentes no passado sempre foram pixeladas para evitar revelar além do necessário.

Nunca antes um presidente americano havia mostrado uma imagem de satélite de informação classificada do governo com tantos detalhes e nitidez, como fez Trump pelo Twitter

Mas com seu tuíte, Trump também parecia querer enviar uma mensagem clara ao Irã (e ao mundo) sobre o poder extremo de vigilância que seu país tem sobre os segredos dos demais.

“Está dizendo que estamos vigiando atentamente e que estamos atuando com moderação, mas que se quiséssemos fazer mais, poderíamos”, disse à NPR Rebeccah Heinrich, especialista em segurança do Instituto Hudson da Pensilvania.

Outro especialista com experiência ampla em satélites consultado pela rádio concorda que a foto traga uma advertência velada de Trump.

“Sim, há claramente mais detalhes, mas não muita informação útil além das que estão nas melhores imagens comeciais”, disse a fonte, que preferiu não ser identificada.

Informação para outros países

Um grupo independente de observadores de satélites afirma que conseguiu descobrir quem é o responsável por captar a imagem.

Eles teriam chegado à resposta combinando a inclinação da plataforma de lançamento na imagem tuitada por Trump e analisando a posição das sombras na foto, junto a outros elementos.

Segundo os analistas, trata-se do USA 224, um dos satélites espiões de reconhecimento ótico de alta confidencialidade mais avançados dos EUA, sobre o qual há poucas informações públicas.

“É basicamente um telescópio muito grande, não muito diferente do Hubble. Mas em vez de apontar para estrelas, este mira a superfície da Terra para criar imagens ultradetalhadas”, explicou ao MPR News o astrônomo Marco Langbroek, um dos responsáveis pela pesquisa.

Especialistas concordam que este grupo de observadores não deverá ser o único a usar a foto de Trump para aprender mais sobre o USA 224 e os sistemas de espionagem satelital de Washington.

“Nossos adversários, Rússia, China, Coreia do Norte, Irã, Síria e outros analisarão o mesmo para entender quão boas são as nossas capacidades”, disse à NPR Bruce Klingner, ex-membro da CIA e colaborador da conservadora Fundação Heritage de Washington.

Para o correspondente de Assuntos Diplomáticos da BBC, Jonathan Marcus, “é assombroso que um presidente dos EUA ofereça a todos os inimigos de Washington uma visão tão pública de suas extraordinárias capacidades de captação de informação”.

As tensões entre EUA e Irã tem aumentado nos últimos meses

Por isso, analistas destacam que a suposta advertência que Trump desejaria enviar ao Irã com seu tuíte não compensaria no fim das contas a quantidade de informações militares confidenciais que o mandatário pode ter exposto.

“Num paralelo com o xadrêz, Trump sacrificou um bispo por um peão ou menos”, comparou Steven Aftergood, da Federação de Cientistas dos EUA.

Trump cometeu um delito?

Outra das perguntas mais repetidas após o tuíte é se, com a publicação da imagem, Trump estaria revelando segedos de segurança de alto nível – o que é considerado crime nos EUA.

O certo é que o presidente do país é a única pessoa com autorização para divulgar informações confidenciais quando achar conveniente.

“O sistema de classificação para informações de segurança nacional não se baseia em uma lei. Ele vem da própria condição do presidente como comandante principal das Forças Armadas”, disse Aftergood à NPR.

“Portanto, ele tem a autoridade de decidir unilateralmente o que se revelará, o que será desclassificado e o que não será”, continuou.

Outros líderes dos EUA usaram essa faca de dois gumes no passado ao desclassificar material sensível de forma deliberada para alertar adversários sobre seu poderio militar.

O ex-presidente Bill Clinton fez isso com imagens de satélite durante a guerra dos Balcãs nos anos 1990. Em 2003, o ex-secretário de Estado Colin Powell desclassificou imagens aéreas do Iraque após o início do confronto.

Em nenhum destes casos, no entanto, foram divulgadas imagens com o grau de nitidez e detalhe das tuitadas por Trump na semana passada.

“Desejo o melhor ao Irã. Eles tiveram um problema bem grande. Nós tínhamos uma foto e a divulguei, tenho o direito de fazê-lo. Já veremos o que acontece”, disse Trump em meio à polêmica.

Boas Festas!

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