Prefeitas relatam casos de violência política e assédio
27 de abril de 2022, 16:04
prefeita de Bezerros (PE), Lucielle Laurentino (União Brasil), afirma ter sofrido violência política de gênero durante a campanha eleitoral de 2020 (Foto: Reprodução)
Pesquisa do Instituto Alziras entrevistou 280 chefes de Executivos municipais
Durante a disputa eleitoral de 2020, Lucielle Laurentino ouviu do adversário que sua simpatia tinha como intuito “seduzir” os homens. O abraço nos eleitores, dizia o opositor, era uma forma de ela “esfregar” os seios no corpo de outra pessoa. Passado mais de um ano, e após ser eleita com 19,2 mil votos no município de Bezerra (PE), Lucielle continua sofrendo violência, inclusive de lideranças políticas da cidade, que a chamam de “prefeitinha” e trocam, em grupos de WhatsApp, mensagens de cunho sexual sobre a mandatária.
— Já recebi mensagens insinuativas, fui segurada pela cintura com excesso por uma liderança política que me agride verbalmente sempre que pode. Questionada pelas roupas e pelo cabelo que tenho em um programa de mídia local. E rotineiramente ameaçada, eu e minha equipe. Em uma das ocasiões, me avisaram que eu estava sendo vigiada — conta a prefeita, que nas redes sociais já leu diversos comentários sugerindo que ela arrumasse roupa suja para lavar, deixasse de ser emotiva e fosse arrumar um homem. — É uma rotina desgastante, me faz pensar várias vezes se devo continuar e se vale a pena passar por tudo isso. Hoje, meu maior desafio é me manter viva.
O caso de Lucielle está longe de ser exceção. De acordo com o “Censo das Prefeitas Brasileiras”, do Instituto Alziras, 58% das chefes dos Executivos municipais entrevistadas relatam ter sofrido assédio ou violência política pelo fato de serem mulheres. O número representa um aumento de cinco pontos percentuais em relação ao levantamento anterior, que contemplou mandatos de 2016 a 2020. O instituto procurou todas as 673 prefeitas do país, e 280 (41,6%) responderam.
— A sensação dessas prefeitas é a de que a violência política de gênero vem aumentando no país. E isso é reflexo da maior inserção das mulheres na política. A violência é uma forma de o sistema político expelir essas mulheres que estão ocupando postos de poder e de tomada de decisão — afirma Marina Barros, diretora e cofundadora do Instituto Alziras.
O reconhecimento da violência sofrida não se reflete, no entanto, em denúncias. Metade dessas prefeitas afirma não ter registrado queixa ou boletim de ocorrência na polícia. O motivo é o mesmo que assola as mulheres vítimas de violência doméstica: falta de confiança no Judiciário — 40% das prefeitas que deixaram de recorrer à Justiça dizem não acreditar na eficácia da apuração das denúncias sobre esse tipo de violência.
E não é à toa. Entre as que denunciaram, a sensação de impunidade é grande, e 50% consideram que os casos não tiveram a devida apuração e responsabilização dos agressores.
— São dados que vemos com grande preocupação, pois há uma sensação generalizada de que nada vai ser feito. É preciso haver uma resposta maior dos mecanismos de defesa e proteção — diz a diretora do Alziras.
Os ataques ocorrem predominantemente nas redes sociais. Mas há também relatos de xingamentos presenciais, agressões físicas e assédio sexual. O agressor, em geral, é uma pessoa de partido de oposição.
No ano passado, a apuração desse tipo de crime ganhou um reforço com a aprovação da lei de combate à violência política contra a mulher. A nova norma inclui no Código Eleitoral o crime de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo. A prática, se configurada, poderá ser punida com pena de reclusão, de 1 a 4 anos, além de multa.
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