Vitória de Biden renova expectativa de algum freio no aumento da desigualdade
07 de novembro de 2020, 18:03
O mandato de Biden começará sob as consequências da pandemia da Covid-19, que, novamente, tem nos EUA os maiores números de casos e mortes (Foto: Reprodução)
A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos ajuda a renovar a expectativa de que, desta dez, os democratas colocarão algum freio no aumento da desigualdade, acompanhada do encolhimento da classe média, que tem marcado os últimos 40 anos no país.
No período, o 1% mais rico passou a capturar o equivalente a toda a renda que antes ficava com a metade mais pobre, que viu sua participação nos rendimentos reduzida à metade, para 12,5%. Já as famílias de classe média (renda de US$ 78,5 mil ao ano) encolheram de 60% para 50%.
No mandato do democrata Barack Obama (2009-2017) houve tentativas para conter essa escalada, como programas para valorizar o emprego e a renda e a criação de um sistema de saúde pública abrangente para reduzir gastos dos mais pobres na área.
Mesmo assim, seu legado na diminuição do fosso entre ricos e pobres foi frustrante. Donald Trump venceu em 2016 falando justamente o que os mais pobres queriam: fazer a América grande novamente.
Apesar de planos já delineados em algumas áreas -sobretudo para atender alas mais incisivas do Partido Democrata-, Biden enfrentará, assim como Obama, um cenário que favorece a continuidade da concentração de renda.
Os primeiros anos de Obama foram marcados pela saída da crise financeira global de 2008, que teve seu epicentro nos EUA. O mandato de Biden começará sob as consequências da pandemia da Covid-19, que, novamente, tem nos EUA os maiores números de casos e mortes.
Há ainda grande chance de piora, já que muitos estados populosos, até aqui, foram relativamente poupados -e onde a epidemia agora ganha força. Assim como a crise de 2008, a Covid-19 obrigou os EUA a injetarem trilhões de dólares de dinheiro público na economia.
Embora o recurso tenha ajudado, há dez anos e agora, a conter demissões e o fechamento de empresas, boa parte dele “vazou” para o mercado financeiro e para a Bolsa de Valores, onde a classe média alta e os mais ricos investem.
Apesar da pandemia e da recessão global, a Bolsa nos EUA e os preços de outros ativos detidos pelos mais ricos vêm batendo recordes, inflados justamente pela enxurrada de dólares gerada por programas federais.
As empresas norte-americanas também já vinham se aproveitando do corte de impostos para corporações dos anos Trump, de 35% para 21%, para recomprar, no mercado, suas próprias ações -e acentuaram esse movimento agora.
De resto, a saída da crise provocada pela Covid-19 tem se dado em forma de “K”, com os mais ricos e escolarizados, além das grandes empresas, recuperando-se bem mais rápido do que os seus opostos.
A fim de tentar mitigar essa tendência concentradora, Biden promete elevar novamente a alíquota de imposto para empresas a 28%, pelo menos. Segundo algumas estimativas, isso reduziria em quase 10%, em média, os ganhos das 500 maiores companhias norte-americanas.
Em contrapartida, o democrata prevê usar boa parte do dinheiro obtido com esse aumento na tributação para financiar grandes projetos de infraestrutura. Gastos maiores nessa área são multiplicadores de empregos e de renda para trabalhadores mais pobres e menos escolarizados, o que pode levar a menos desigualdade.
Os democratas também vêm prometendo há alguns anos medidas para limitar o poder econômico e a influência de grandes empresas nos EUA, sobretudo na área de tecnologia.
A senadora Elizabeth Warren, que concorreu com Biden pela nomeação do partido e que depois o apoiou, chegou a propor a fragmentação de algumas delas, como a Amazon, a fim de ampliar a ação de concorrentes e diminuir a concentração de ganhos no mercado corporativo.
Nesse sentido, as grandes empresas de petróleo também poderão ser afetadas, com a diminuição de subsídios para óleo e gás e a criação de outros incentivos para companhias menores de energia limpa.
Todas essas mudanças prometidas são de caráter estrutural e podem levar tempo. A dúvida é sobre o que o democrata fará de mais imediato para a parcela negra e hispânica da população norte-americana -mais pobre e que foi fundamental para sua vitória.
Segundo o Pew Research Center, cerca de 70% dos adultos negros e hispânicos não têm reservas financeiras suficientes para três meses, percentual que cai a 47% na população branca. Enquanto em agosto a taxa de desemprego entre brancos foi de 7,2%, ela alcançou 10,5% entre hispânicos e 13% entre negros.
Durante a campanha, Biden prometeu criar fundos equivalentes a US$ 70 bilhões para escolas e universidades historicamente voltadas à população negra.
Também delineou planos para linhas de crédito de US$ 30 bilhões a pequenas empresas administradas por minorias e outro, de US$ 50 bilhões, para alavancar negócios em áreas degradas dos Estados Unidos.
Outra proposta é oferecer créditos tributários de US$ 15 mil para ajudar famílias de baixa renda a comprar um primeiro imóvel, além da construção de 1,5 milhão de novas moradias destinadas a essa faixa da população.
Na educação, o democrata propôs liberar de pagamentos alunos de escolas e universidades em famílias com renda anual inferior a US$ 125 mil, além de criar um programa para reduzir em até US$ 50 mil as dívidas estudantis (que somam US$ 1,5 trilhão) em troca de trabalhos comunitários.
Para atender boa parte dessas promessas, Biden terá de contar com o apoio do Congresso e enfrentar um Senado que pode não lhe ser favorável.
Mas, acima de tudo, o democrata precisará encontrar espaço em um orçamento com déficit recorde de US$ 3,1 trilhões neste 2020, rombo que jogou a dívida pública para US$ 21 trilhões, a mais alta da história.
O grosso dos gastos extras deste ano foram para combater a pandemia, justamente um dinheiro que acabou ajudando deixar os ricos ainda mais ricos.
Boas Festas!