Contaminação de cerveja é quebra-cabeça até para especialistas

12 de janeiro de 2020, 09:45

(Foto: Reprodução)

Ainda sob o impacto do episódio em que é investigada a possível ligação da cerveja Belorizontina com uma morte por contaminação tóxica e síndrome nefroneural em 10 pessoas, representantes do setor cervejeiro admitem que o caso afetará negativamente a área em Minas Gerais. Ao mesmo tempo, revelam perplexidade quanto à hipótese de o problema ter ocorrido na fábrica da empresa mineira. Além de a Backer ter negado utilização em sua planta de produção do dietilenoglicol – substância encontrada por perícia da Polícia Civil em garrafas da cerveja e em amostras de sangue de três dos pacientes que consumiram a bebida  –, os sistemas operacionais são considerados seguros por especialistas, ainda que passíveis de falhas.

Engenheiro de produção pela USP e mestre cervejeiro formado em Louvain-la-Neuve, na Bélgica, Paulo Schiaveto afirma que as circunstâncias apresentadas inicialmente pelas apurações da Polícia Civil surpreendem, especialmente pelo fato de a Backer ter sustentado que trabalha com monoetilenoglicol em seus processos de resfriamento, e não dietilenoglicol. “Há uma conjunção de fatores muito estranha. Impossível não é. Mas é improvável. Se desse algum problema, a tendência seria vazar para o isolamento e não para dentro do tanque”.

Em inox, tanques de fermentação como os da Backer são dotados das chamadas ‘paredes encamisadas’. Há o compartimento em que é mantida a cerveja e, funcionando num duto lateral, isoladamente, uma serpentina pela qual circula a substância para manter resfriada a temperatura interna – entre 12°C e 18°C iniciais, em média, dependendo do estilo. No caso da Belorizontina, uma pilsen, entre 10°C e 12°C. Assim, não há (ou não deveria haver) contato entre o líquido de resfriamento e o produto.

Na hipótese de um vazamento, há duas leituras entre profissionais da área ouvidos pelo Estado de Minas: a perspectiva maior, nesse caso, seria a de a cerveja transbordar para a parte ensanduichada, dada a pressão interna do fermentador. Ocorrendo um acidente e havendo a “invasão” da substância (nas serpentinas encapsuladas circulam em torno de 240 litros num tanque de 20 mil litros), seu grau de diluição não teria, de acordo com essas avaliações em tese, potência contaminadora o bastante para provocar os sintomas dos pacientes. O quadro clínico inclui insuficiência renal e acometimentos neurológicos, que a força-tarefa – composta por profissionais da saúde de Minas e do governo federal, vigilância sanitária e Polícia Civil, entre outros órgãos – criada para investigar o caso conecta ao consumo da marca.

Vice-presidente do Sindbebidas e um dos cervejeiros mais tradicionais de Minas Gerais, Marco Falcone, proprietário da Falke, sugere cautela. “Nossa posição é esperar laudos conclusivos”, afirma, observando o grau de complexidade das apurações. “Há muitas perguntas sem respostas. A diluição num tanque de 20 mil litros seria residual. E havendo contaminação de 60 mil garrafas, era para termos uma epidemia por aí”. Ele diz que aguarda a perícia sobre as garrafas recolhidas para contraprova para que surjam novos elementos e demonstra confiança institucional na Backer. “A amostragem de duas garrafas na casa do doente, com quem nos solidarizamos, não nos convence.”

Presidente da Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva), Carlo Lapolli defendeu o aprofundamento das apurações, mas citou preocupação com prejulgamentos. “Precisamos aprofundar a investigação médica e saber a origem de como aconteceu essa contaminação, a causa, se realmente está ligada ao dietilenoglicol e se não há mais algum tipo de agente externo”, declarou, acrescentando o aspecto de a ocorrência ter sido, num primeiro momento, numa área geográfica bastante delimitada, no caso o Bairro Buritis, Região Oeste de Belo Horizonte.

Sobre a hipótese de vazamento interno, Lapolli vê baixa possibilidade. “Não há notícia desse tipo de contaminação em nenhuma cervejaria. É muito raro o vazamento desse sistema de refrigeração, usado no mundo inteiro. E quando vaza, vaza para dentro desse sanduíche que é feito para o isolamento térmico. Para dentro seria uma coisa muito rara.”  

Previsão é de impacto negativo no mercado

Pontual ou expressivo, integrantes da área cervejeira reconhecem que o episódio envolvendo a Belorizontina e a Backer, cuja fábrica foi interditada preventivamente na sexta-feira pelo Ministério da Agricultura, vai respingar no setor. “Vai sofrer um pequeno baque inicial. Se comprovada a culpa, o sofrimento será maior. Se não, vamos ter de fazer um marketing reverso, mesmo com o público fiel já conquistado”, avalia Marco Falcone.

Um dos responsáveis por uma das receitas mais tradicionais da Backer, a da Medieval, o mestre cervejeiro Paulo Schiaveto não tem dúvidas sobre o impacto negativo para o mercado das artesanais. Depois do episódio, ele se espantou com a série de mensagens que recebeu, incluindo a despropositada versão de que haviam sido detectados vírus letais em lotes do produto. “Com certeza afetará o setor, até pela forma como foi propagada a notícia, inicialmente num ambiente de desinformação.”

O sentimento é compartilhado por outro profissional do setor. “Sem deixar de pensar sempre nas vítimas, há, sim, preocupação de um respingo extremamente prejudicial disso no mercado”, afirma o cervejeiro, que preferiu a preservação de seu nome, em meio a um cenário que ele considera nocivo de proliferação de “informações atravessadas”, que têm se propagado sobretudo em redes sociais.

“Recebi mensagens de fora do estado recomendando a não beber cervejas de Minas Gerais. Uma generalização irresponsável”, observou. As portas de saída? Ele cita a indústria de laticínios como referência, lembrando casos antigos de detecção de soda em leite. “O mercado teve de se reerguer aumentando critérios de controle, aumentando a segurança alimentar dos produtos.”

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