Time mantido pela Universal proibe brincos e forma para grandes clubes
03 de setembro de 2019, 09:22
Jogadores do Canaã, time de futebol da Igreja Universal, em Irecê (BA) (Foto: Divulgação)
Conta assim o Antigo Testamento: Abraão foi chamado por Deus para conduzir seu povo escolhido a Canaã, a terra prometida, um lugar rico em liberdade e felicidade. Há um ano, essa inspiração bíblica deu origem a um time de futebol: o Canaã Esporte Clube, em Irecê, na Bahia.
A iniciativa é ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, e surgiu a partir de um projeto assistencial chamado “Nova Canaã”, pensado como um lugar de esperança em meio à pobreza e idealizado a partir de uma reportagem exibida na TV em 1998 sobre a fome do Nordeste.
Em pouco tempo, a equipe formada por jogadores ligados ao projeto já alcança alguns resultados expressivos em campo. Nos bastidores, há uma cartilha de comportamento para jogadores e torcedores, acordo com empresário que já chegou a colocar seis jogadores no Corinthians e planos cada vez mais ousados.
“Nada vos será impossível”?
“O projeto atua no sertão da Bahia desde agosto de 2000. Oferecendo primeiro a educação no período da manhã e à tarde atividades esportivas e culturais. Futebol, judô, capoeira, dança, informática, reforço para quem precisa de reforço. O futebol sempre foi uma atividade. Nós vimos que já tinha alguns meninos se destacando, iam fazer testes no clube e ficavam. Pensamos: ‘por que não organizar um clube e dar uma oportunidade ainda maior?”, diz Leonardo Santos, diretor do projeto Nova Canaã e do Canaã EC.
Orientação é não usar brinco
Caio de brinco, mas fora da fazenda, em março
Os treinos do Canaã Esporte Clube ocorrem na fazenda em que fica o projeto assistencial – sete campos de futebol compõem a estrutura esportiva. No mesmo local ficam a escola, as plantações e também o centro religioso. Segundo apurou o UOL Esporte, os garotos não são obrigados a frequentar cultos. A maioria acaba indo por estímulo dos outros, mas não há registro de quem tenha sido punido por se ausentar. O goleador do clube, aliás, não é evangélico.
Em contrapartida, algumas orientações de comportamento são conhecidas. O uso de brincos pelos meninos, por exemplo, é vetado. “Todo lugar tem regras, né? Lá não pode usar brinco dentro da fazenda, porque é lugar que tem igreja. É a única coisa, assim, que eu não vi em outros clubes, que eles limitam. Mas é só dentro da fazenda. Saindo de lá você pode botar seu brinco tranquilo”, diz o atacante Caio Jambeiro, artilheiro do Canaã na Série B do Campeonato Baiano, com três gols, e autor do primeiro gol da história do clube em um jogo oficial.
Há orientações sobre não falar palavrões em campo ou cometer muitas faltas nos adversários. Os xingamentos também estão vetados para os torcedores, pois não combinariam com o cristão. “Nós acreditamos que tudo na vida tem que ter disciplina para a pessoa ser bem-sucedida, então fazemos palestras sobre a vida e o desenvolvimento humano. Temos algumas regras, mas trabalhamos tão bem antes do campo que eles acabam assimilando. Até porque muitos têm origem humilde e nunca tiveram outro tipo de influência”, diz Leonardo Santos, à frente do projeto há seis anos.
Por ser um time novo, o Canaã ainda não tem uma base firme de torcedores. Aí que entra a Igreja Universal e a força de 9 milhões de adeptos pelo mundo. Durante a participação na Copa BH Tributarium em Minas Gerais, em julho, os jogadores do time sub-17 tiveram grande torcida de membros da FJU (Força Jovem Universal), grupo social da IURD em Belo Horizonte. Nenhum outro time teve apoio tão forte.
“Eu vejo que a torcida considera mais a parte social que o projeto exerce do que em si o futebol. Isso acaba trazendo pessoas, porque elas torcem pela instituição, querem que cresça pelo bem que fazemos na região. As pessoas torcem para a gente e para mim isso é o mais legal de tudo: ver a torcida aparecendo do nada por ser apoiadora do projeto”, diz o diretor Leonardo Santos.
Parceria com empresário de Pedrinho
Responsável pela carreira do meia Pedrinho, que está entre os principais destaques do Corinthians na temporada, o baiano Will Dantas é o empresário responsável por criar oportunidades de mercado para os meninos formados pelo Canaã.
“Eu adorei o projeto, vi que tem futuro. Agora quem se destacar lá eu mesmo coloco nos clubes”, diz o agente, que vê a influência da Igreja Universal como positiva na vida dos jovens jogadores.
“Já tive problemas com garotos que quando estão no clube com contrato mudam radicalmente a maneira de ser, perdem a humildade, não respeitam mais. Os garotos da Igreja têm convivência com bispo, com as pessoas mais velhas, e o respeito é maior”, conta Will Dantas, que já encaixou um menino ex-Canaã chamado Rogério Feijão no sub-17 do Palmeiras.
O Canaã ainda não realizou a venda de nenhum jogador, somente empréstimos com valor de compra fixado. Em dezembro é possível que os primeiros resultados surjam. A ideia, a princípio, é reinvestir o valor no projeto social.
Seis emprestados ao Corinthians
Guilherme, Alanderson, Weslei, Iago, Ãngelo Josaphat e Paulo Henrique, ex-Canaã, da base do Corinthians
Seis jogadores que têm os direitos econômicos detidos pelo Canaã foram emprestados até dezembro ao Corinthians, sendo dois no sub-17 (Guilherme e Alanderson) e outros quatro no sub-20 (Weslei, Iago, Ângelo Josaphat e Paulo Henrique). Todos têm opção de compra após o empréstimo, em contrato por três temporadas. São parte das primeiras iniciativas comerciais do novo time baiano.
O projeto foi montado em 2018, mas a falta de uma estrutura profissional atrapalhou no começo. Basicamente, empresários buscavam e tiravam jogadores com facilidade da equipe. A promessa é de que não será mais assim.
Hoje, o Canaã conta com time profissional na segunda divisão da Bahia, sub-20 (atual vice-campeão estadual), sub-17 e sub-15, além de categorias menores puxando mais para o lado da recreação. Participou de um torneio sub-17 em Minas Gerais neste ano e deverá estar na Copa São Paulo de Futebol Júnior em 2020.
Edir Macedo, Marcelo Crivella e o projeto em Irecê
A história contada sobre a criação do projeto Nova Canaã (que gerou o time de futebol) é de filme. A cidade de Irecê, a cerca de 500 km de Salvador, na Bahia, foi retratada no programa “Repórter Record”, então apresentado por Goulart de Andrade na emissora. Histórias tocantes sobre seca, fome e miséria no sertão baiano estiveram na pauta.
Edir Macedo assistiu ao programa e na sequência entrou em contato com o bispo Marcelo Crivella, que era missionário da Igreja Universal na África há dez anos. A ideia era criar um projeto naquela região da Bahia. Crivella lançou um CD chamado “O Mensageiro da Solidariedade”, que vendeu mais de 1 milhão de cópias e financiou a compra de uma fazenda e o cultivo da terra para que as famílias se organizassem em uma comunidade agrícola autossustentável.
O projeto foi fundado em 2000 e ao longo do tempo foi ampliando sua atuação. Hoje há escola e atendimento a milhares de famílias no local. O incentivo ao esporte de alto rendimento vem daí. Marcelo Crivella hoje é prefeito do Rio de Janeiro.
No mesmo ano do projeto em Irecê, a igreja de Edir Macedo criou um time de futebol chamado Universal Futebol Clube, sediado no bairro de Curicica e que jogou uma temporada na segunda divisão do Campeonato Carioca. A ideia era que o time fosse uma nova forma de evangelização e atração de fiéis, principalmente jovens. Ingressos para jogos eram distribuídos em cultos e o público foi bom. O time é que naufragou, passou longe do acesso e foi logo desfeito. É o que ninguém deseja que se repita.
Boas Festas!