Cobertura do pós-11 de Setembro levou ao descrédito atual da imprensa nos EUA

10 de setembro de 2021, 14:02

Muitos pensavam que estavam assistindo a um filme de Hollywood (Foto: Reprodução)

Frank Rich, então colunista do jornal The New York Times e hoje produtor-executivo da HBO, recorda o “cheiro de carne queimada pela cidade”. Mas, para a maioria dos americanos e o resto do planeta, foi uma transmissão de TV.

Mais precisamente, como descreveu horas depois o crítico de mídia Howard Kurtz, do Washington Post, “um filme de guerra se desenvolvendo na televisão”.

A Fox News entrevistou uma mulher em Hong Kong, que falou: “É incrível. Pensei que estava assistindo a um filme de Hollywood”. A apresentadora Fátima Bernardes abriu e fechou o Jornal Nacional, da TV Globo, com a mesma comparação. Antes, naquela manhã, pelo horário do Brasil, o que se ouviu no mundo foi “ligue a TV”. O espetáculo durou cerca de uma hora e meia, na contagem da CNN, até o desabamento da segunda torre.

O apresentador Carlos Nascimento narrou, na Globo: “A torre está caindo. Está no chão o World Trade Center, um dos maiores símbolos do poder econômico dos Estados Unidos. O mundo está perplexo, parado diante da TV, vendo aquilo que ninguém podia imaginar”.

Nos EUA, a transmissão foi dominada pelas três redes e seus âncoras, baseados todos na cidade, Dan Rather, da CBS, Peter Jennings, da ABC, e Tom Brokaw, da NBC. Este último proclamou o ataque como uma “declaração de guerra” ao país, dando início ao que se assistiria a partir dali.

Hoje se avalia que, para o telejornalismo americano, o 11 de Setembro marca o fim da era dos grandes âncoras, sóbrios e graves –e até mesmo o fim do domínio das redes, superadas pelo noticiário sem fim das “guerras sem fim”, nos canais de notícias.

Na realidade, ao menos fora do noticiário, a influência da TV aberta se manteve. Em 6 de novembro de 2001, a quarta rede americana, Fox, do mesmo grupo do canal de TV paga Fox News, estreou “24 Horas”, série que espelhou, ao longo de nove temporadas, a guerra ao terror que começava. Fez história, pela normalização da prática da tortura de “terroristas”, acumulando cenas de “torture porn” para a satisfação da audiência. Estimulou debates supostamente sérios, sobre a eficácia de torturar.

Fora da televisão, o jornalismo americano também começou a fazer história, em especial o New York Times, sua maior referência. Quatro dias antes da estreia de “24 Horas”, o colunista de política externa do jornal, Thomas Friedman, publicou este primeiro parágrafo: “Um mês após o início da guerra no Afeganistão, as dúvidas já começaram sobre quanto tempo isso pode durar. Vamos todos respirar fundo e repetir comigo: dê uma chance à guerra. É do Afeganistão que estamos falando. Verifique o mapa. É longe.”

Na Fox News em ascensão, o âncora Bill O’Reilly dizia que “não faz diferença” quem morrer, defendendo “bombardear a infraestrutura a pedras”, inclusive o abastecimento de água. “Se os civis não se levantarem [contra o governo afegão], que passem fome.”

O ápice disso foi alcançado em 8 de setembro de 2002, quando a manchete de domingo do NYT foi para os “tubos de alumínio” do Iraque, uma mentira do governo americano apresentada como indício das “armas de destruição em massa” no país.

Os secretários de Estado e Defesa e a assessora de Segurança Nacional passaram a usar em entrevistas, a partir do próprio domingo, a validação do NYT para a falsa prova. Veio então a segunda invasão ou “guerra”, com correspondentes “embedados” nas forças americanas.

No resumo da atual crítica de mídia do Washington Post, Margaret Sullivan, ex-ombudsman do NYT, citando o episódio dos tubos, “por meses e anos, muitos jornalistas se comportaram quase como se fizessem parte do governo”.

Até que “muitos americanos passaram a compreender que haviam sido mal servidos, por esse jingoísmo que substituiu o jornalismo. A confiança na imprensa, já em queda por muitos motivos, sofreu um grande golpe. E não se recuperou”.

Nem a derrota final no Afeganistão, com cenas humilhantes agora via internet, foi bastante para conter os 20 anos de chauvinismo militarista. Em título do mesmo Thomas Friedman, nesta semana: “O que vem depois da Guerra ao Terror? Guerra à China?”.

Folhapress

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