Transferência de óleo entre navios pode ter causado desastre no Nordeste

24 de outubro de 2019, 09:09

Voluntários participam de mutirão de limpeza para retirada de óleo na Praia de Janga, na cidade de Paulista, no Grande Recife (Foto: Tiago Queiroz/Estadão)

Uma operação mal sucedida de transferência de óleo  de um navio em movimento para outro, conhecida como ” ship to ship underway“, transformou-se em uma das hipóteses para explicar o vazamento em alto-mar que provocou o desastre ambiental na costa do Nordeste brasileiro. Relativamente comum, a manobra é segura quando feita oficialmente. Mas, longe da costa e da fiscalização, pode ter sido executada de forma irregular e causado o acidente.

Quando o óleo é extraído em plataformas em alto-mar e precisa ser transportado para terra, é necessário o uso de um navio especial, com posicionamento dinâmico. Trata-se de um equipamento que oferece estabilidade à embarcação, para que ela fique parada e possa receber o petróleo em seus tanques. O uso dessa aparelhagem, porém, encarece o frete do navio. Por isso, a tendência dos transportadores é, o quanto antes, transferir esse óleo para uma embarcação comum, mais barata.

A operação pode ser feita no porto mais próximo, com os dois navios parados em um ambiente seguro, ou em mar aberto, com os dois navios em movimento. Nesse caso, a manobra é um pouco mais arriscada.

Dados da Marinha do Brasil e das empresas petrolíferas mostram que em 2018 o equivalente a 77 milhões de barris de óleo foram exportados por meio de operações “ship to ship”. Este ano, somente até setembro, o volume já chega a 69 milhões de barris. Os números são referentes apenas a operações realizadas na costa de São Paulo, onde são autorizadas.

No Brasil, os procedimentos técnicos e administrativos para obtenção de uma autorização ambiental para esse tipo de operação foram regulamentados pelo Ibama em 2013. Também é necessário o aval da Marinha, que define a área onde as atividades podem ser realizadas.

Quando ocorrem nos portos, as transferências são consideradas mais seguras. Mesmo em caso de acidente, há mais condições de correção imediata. Em mar aberto, há alguns fatores de risco adicionais, como condições climáticas adversas, rompimento das mangueiras de conexão entre os navios e limitação da capacidade de resposta a eventuais acidentes.

E há ainda a hipótese mais provável no caso do acidente de operações irregulares, feitas por navios fantasmas – que estão fora dos radares.

“A operação “ship to ship” é comum, normalmente feita em áreas específicas, com as devidas autorizações”, explicou o engenheiro naval Floriano Pires, da engenharia oceânica da Coppe/UFRJ. “Pode haver um vazamento? Pode. Mas o sistema tem redundâncias e controles. Seria incomum numa operação “ship to ship” normal um vazamento de óleo tão grande. Teria que ser uma operação irregular, clandestina, sem o mínimo de cuidado.”

A engenheira naval Gabriela Timmerman, especialista em “ship to ship”, dona da consultoria Iskra, concorda com a avaliação.

“A operação tem diversos mecanismos de segurança e se houver um vazamento, ela é automaticamente interrompida”, explicou. “Para um vazamento desse volume, o mais provável é que tenha havido algum outro problema, como uma avaria grave de casco ou uma explosão  dentro do navio”.

Boias de contenção do óleo na Foz do Rio Jabotão. Vazamento já atingiu grande parte do Nordeste. (Foto: Tiago Queiroz/Estadão)

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